sexta-feira, 29 de julho de 2011

Quinta, 28.07.11

A manhã havia começado chuvosa. Isso, normalmente, é um bom sinal para nós, porque indica que menos pessoas buscarão ser atendidas, ou seja, conseguiremos dar uma maior atenção àquelas que vierem até nós buscar por ajuda. Também é bom esse pouco movimento para poder fazer as coisas administrativas, tais como despachar ocorrências que foram registradas nos dias anteriores.

Como exemplo, cito os seguintes casos, embora isso seja apenas uma pequena ponta do que os policiais plantonistas têm que escutar durante suas jornadas de trabalho.

Caso 1) Um guarda particular que havia consertado a cerca de arame que rodeia a escola onde trabalha e que teve esta cortada por um adolescente infrator que queria ingressar no pátio para jogar bola. Após chamar a atenção do pequeno, este resolveu chamar à sua mãe para defendê-lo. Não importa o que o anjinho tenha feito de errado, a mãe já partiu para a agressão. Foram várias pessoas contra o pobre guarda, que por sorte não saiu muito lesionado.

Caso 2) Briga em casa noturna. Um dos brigões foi detido pelos seguranças do local e a PM foi acionada. Normalmente todas as partes envolvidas são trazidas à Delegacia e é feito o simples registro da ocorrência. Não nesse caso, o bêbado, ainda alterado, desacatou os policiais e resistiu às ordens que lhe foram dadas:  teve que ser algemado com as duas mãos na parede (normalmente algemamos apenas uma das mãos) até que o efeito da bebida passasse e ele ficasse mais calmo para ser solto. Fora a mão cortada (pois o bêbado/acusado tinha simplesmente quebrado um copo na cabeça do outro), ainda responderá criminalmente por lesão corporal, desacato e resistência.

Caso 3) Pensam que só homem que bate em namorada ou companheira? Na verdade existem tantos casos de um lado quanto de outro. Aqui despachei uma ocorrência que a namorada, ensandecida com o término do namoro, quebrou vários objetos na casa, além de unhar todo o agora ex-namorado. Vai responder por crime de dano e lesão corporal (arts. 129 e 163, CP).

Tudo havia sido despachado e estávamos somente no meio da manhã, quando me foi apresentado pela Brigada Militar um acusado de furto em obras. Segundo contou, seria morador de rua e teria ingressado na obra ainda de madrugada porque havia começado a chover, e enquanto esperava a chuva passar, caiu no sono e só foi acordado por pedreiros que lhe encheram de sopapos (mentira!). O modo como estavam os bens acondicionados (ele cortou esquadrias de alumínio em vários pedaços e os havia amarrado), além de seu histórico (ele já havia sido preso outras vezes pelo mesmo motivo) me deu segurança para lavrar o auto de prisão em flagrante. Não sei quanto tempo ele permanecerá preso, por ser o furto um crime sem violência, e os presídios estarem lotados, a política criminal é de normalmente fazer os furtadores responderem ao processo em liberdade, o que é lamentável, sobretudo quando reincidente o criminoso. Mas o que importa é fazermos a nossa parte!

Passados esses casos simples, quando achei que nada mais poderia acontecer de diferente, recebemos uma ligação informando o encontro de um cadáver. Chegando ao local, verificamos (estava acompanhado da Equipe Volante – que faz todos os serviços externos da nossa Delegacia) que ele encontrava-se submerso. Um pescador avistou o corpo e o amarrou ao seu barco para que a correnteza não o levasse. A dificuldade é que ele estava do outro lado do rio, na outra margem. Precisamos então do apoio de outros pescadores locais (aqui abro esses parênteses para agradecer a esses trabalhadores, simples, mas de uma boa vontade sem tamanho). E lá vai o Delegado subir no barco para chegar mais perto do cadáver. Literalmente pescamos o corpo e o trouxemos (com o apoio da BM) para a outra margem, onde estava nossa viatura. Infelizmente a morte dessa pessoa deve ter sido muito dolorida. Havia em seu corpo marcas de golpes na cabeça e ao menos três facadas na barriga e peito, e, o mais impressionante, os criminosos que o mataram, amarraram seus pés com uma corrente e prenderam um peso para que o corpo afundasse. Se eles lograssem êxito em seu intento, talvez nunca o encontrássemos. Perícia chamada, o corpo foi removido para necropsia e foi avisada a Delegacia do local para iniciar a investigação – lembrando que fazemos apenas o primeiro atendimento.

Logo após sair de lá, recebemos via rádio uma informação de um roubo a estabelecimento comercial. Quatro encapuzados renderam uma família e levaram o dinheiro do comércio sem deixar nenhuma pista de quem teriam sido. Fizemos uma breve busca, porém não conseguimos encontrar ninguém suspeito por perto.

Voltei para a Delegacia já cansado, mais pela trágica cena da morte do que pelo horário (19:00 hs), mas isso ainda era pouco. Fui informado de que estavam sendo apresentadas na DPPA diversas pessoas pela suposta prática de tráfico de drogas. Optei, após ouvir cada uma das versões apontadas, por prender em flagrante apenas um traficante, sendo os outros cinco apenas indiciados como usuários (responderão por posse de entorpecente). Mas no fim, quando todos os documentos necessários para lavrar o flagrante estavam prontos e o preso quase sendo encaminhado ao presídio, houve uma reviravolta probatória. A versão que havia sido passada a mim não condizia com a verdade. Eram todos usuários afinal. Apesar do stress que foi o caso, a justiça foi feita e pude partir para a próxima ocorrência com a consciência limpa.

Ao mesmo tempo em que atendia esse caso, um policial registrava ocorrência de alguns objetos que foram encontrados dentro do presídio. Eram mais de 30 celulares e uma certa quantidade de drogas. Tudo isso não me impressiona mais. Por respeito à dignidade das pessoas que visitam seus familiares presos, os agentes não podem revistar todos, só podem submeter alguém à revista se houver fundada suspeita para tanto. E obviamente não podem “duvidar” de todo mundo que lá ingressa. Resultado: muitas coisas proibidas entram na prisão. Assim, drogas, celulares e afins, embalados em camisinhas e escondidos nas partes íntimas acabam entrando no sistema prisional. Aqui faço uma observação: havia algumas embalagens de desodorante que os próprios presos usam (após juntar alguns componentes) para fazer carregadores para os celulares. Isso mesmo, um ex-desodorante vira carregador de celular! É impressionante a criatividade que esse povo tem para o mal. Se usassem para algo produtivo, certamente não estariam na situação em que se encontram.

Terminado o registro do uso dos entorpecentes ao qual me referi, recebemos o comunicado de que havia acontecido outro roubo e teriam as vítimas sido amarradas e uma delas teria sido agredida. Foi chamada a ambulância que tentou a internação, mas era tarde. Com o óbito (o segundo morto do dia), a delegacia de roubos passou a investigar o crime de latrocínio (roubo seguido de morte). Pouco depois, um suspeito foi trazido à delegacia. Segundo contava, estava junto de outras duas pessoas e teria iniciado um furto no local, mas ao perceber que seus comparsas estavam extrapolando ao combinado (pois amarraram o proprietário da residência) e verificando que um veículo se aproximava, resolveu fugir e se esconder. A mim contou uma versão nada convincente e ao pressionarmos um pouco mais, este contou o que realmente havia acontecido. Não houve sua prisão em flagrante porque ele não participou da morte com certeza. A vítima estava completamente desfigurada de tanto que havia apanhado e o nosso suspeito não apresentava nem uma gota de sangue no seu corpo ou vestes, mas sabia quem eram os algozes. Meio caminho andado para a investigação. Agora é interrogar pesado, pedir prisão preventiva para o juiz e “cana” neles! Senti-me muito bem nesse início de elucidação do caso, nessa função de barganhar com o suspeito por informações.

Por fim, quando minhas forças já estavam quase se esgotando, ainda tive que ouvir todas as versões da história do filho viciado em crack que havia batido na mãe e na irmã. Fizemos um simples registro de ocorrência, entretanto para chegar nessa conclusão, tive que ouvir muitas lamentações de ambas as partes. É realmente triste ver uma mãe chorando dizendo que ama o filho, mas que a única solução é a prisão, pois já esgotadas todas as tentativas de internação e tratamento. Afastem-se das drogas, elas te levam ao nada!

Fuji da Delegacia para finalmente jantar às 00:35. Acreditem, só nessa hora consegui parar para ir ao banheiro. Após esse dia pesado, consegui finalmente deitar a cabeça e dormir (ou tentar, já que não podia desligar a mente até ao menos às 8:00).

Nenhum comentário:

Postar um comentário