sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Quinta, 20.10.11 - O som do apito abafado por tiros

Nada de grave ocorreu na cidade até aproximadamente dez horas da noite. Em verdade, despachei muitas e muitas ocorrências e pendências administrativas, li informativos e decisões da nossa divisão de assessoramento jurídico (que padroniza algumas interpretações que devemos dar sobre determinados assuntos). Conversei bastante com os agentes, ouvi opiniões e críticas sobre o serviço. Enfim, era o momento de botar o papo em dia, de saber quais os crimes haviam acontecido recentemente, quem seriam os suspeitos, etc. E quando o dia é tranquilo...

Passado o horário do jantar, tivemos que resolver algumas pendengas. A primeira delas foi um rapaz que foi abordado pela Brigada Militar com uma pequena quantidade de droga, e ao ser indagado, apontou quem seria o suspoto traficante. No momento em que este foi abordado, reagiu às ordens recebidas e partiu para a agressão sobre os policiais, que tiveram que usar a força para contê-lo. Em sua posse não haviam drogas, mas uma faca e um tchaco, o que preocupou os milicianos ao conterem-no. Aqui fizemos o registro de ocorrência apenas, pois lamentavelmente as penas para quem afronta as autoridades (desobediência e resistência) são extremamente baixas.

Algum tempo depois foi detido um conhecido furtador de aparelhos de som automotivos. A vítima recebeu uma ligação de um conhecido afirmando que alguém estaria mexendo em seu veículo. Ao averiguar a informação, se deparou com o acusado dentro de seu carro, praticamente saindo com o rádio na mão. Optou por evitar o confronto (decisão muito sábia), e apenas o seguiu, mantendo contato permanente com o 190 e visual do ladrão, indicando em quais ruas estava passando, contando as trocas de roupa feitas pelo acusado para não ser percebido - tamanho o "profissionalismo" dele. Em pouco tempo foi alcançado, já que nem suspeitava qe estava sendo seguido, e trazido à nossa Delegacia para que fosse registrado o fato. Embora tenha negado qualquer envolvimento no furto, os indícios eram muito fortes, sobretudo porque a vítima não desgrudou os olhos dele, não restando opção senão pela lavratura do auto de prisão em flagrante. Quanto aos danos, além de arrombar o veículo e estragar o painel, deixou o som cair no chão (e um carro passou por cima do bem, que ficou obviamente imprestável).

Com o flagrante em andamento, recebermos a notícia de, adivinhem: um corpo caído no chão. Iniciado o deslocamento para o local dos fatos, já entramos em contato com os nossos queridos parceiros do DML e da Perícia. A viatura do DML estava nas redondezas, e pode nos acompanhar durante todo o trajeto (por sorte da motorista, que contou não saberia chegar facilmente ao lugar do crime). A Brigada Militar guarnecia o corpo e isolava a cena de familiares e amigos, para que os peritos pudessem trabalhar com mais calma. Como estava coberto por um plástico, e precisávamos deixar que a perícia o examinasse primeiro, resolvemos colher informações com as testemunhas oculares (ou auriculares, já que algumas somente ouviram os disparos). Estavam todos chocados com as circunstâncias, pois o rapaz que morreu trabalhava como vigia noturno da rua, e segundo contaram, não fazia mal a ninguém.

Conversamos com cunhado, amigo, mãe, amigos e esposa. O primeiro nada sabia, aproximou-se mais de curiosidade, para saber se tínhamos alguma suspeita; o segundo contou que viu um rapaz de camiseta branca correr pela rua após a vítima ter dito que não era ela que tinha feito determinada coisa e ter sido alveada pelos disparos. A mãe pouco acrescentou para a investigação, a esposa também (ajudou somente quanto informou que um par de chinelos próximo ao corpo era do filho do morto, o que nos fez excluir esse bem como prova). Outros amigos vieram e contaram que pegaram a vítima no colo, tendo este o tempo apenas de exlar o último suspiro. Uma das testemunhas me levou a um lugar onde a bicicleta da vítima estava jogada (há cerca de três quadras). Na fuga, um dos assassinos correu a pé, e o outro pegou a "magrela". Cada um foi para um lado, ficando mais difícil desvendar o destino que tomaram. O que esteve com a bicicleta pedalou até que a corrente escapasse da coroa, momento em que descartou-a e prossegiu a fuga a pé.

Fizemos colheita de eventuais impressões digitais deixadas por aquele que usou o veículo movido a tração humana e cuidamos principalmente do corpo. Foram quatro tiros pelas costas. Antes dos estampidos, a vítima soou o apito uma última vez, mostrando que estava presente, realizando o seu trabalho. Uma clara execução. Aparentemente, todos os disparos transfixaram o, agora, defunto. Entretanto, conseguimos coletar no local dois projéteis que serão usados para posteriores comparações com armas apreendidas. Assim, as demais balas, ou ficaram nas vestes, ou dentro do corpo (trabalho extra para os olhos aguçados dos peritos do DML quando da realização da necropsia). Tiradas todas as fotos possíveis, colhidas todas as informaçoes, nos retiramos do local.

Chegando na DPPA, ainda tive que levar um adolescente que havia sido detido por dirigir sem habilitação até a casa de sua mãe (para a assinatura do termo de entrega de menor), porque ela não tinha como chegar à nós. O menor cometeu um "crime" e ainda ganhou carona para voltar para casa (vai dizer que eles não tem um tratamento de primeiro mundo?).

Por fim, a cereja que faltava no bolo, um flagrante por embriaguez ao volante.  O bêbado estava saindo de uma festa, manobrando, e ouvindo o guardador de carros dizer: - Pode vir! Tá longe ainda!.. Bum! Bateu em um carro que estava estacionado. A Polícia Militar, ao chegar ao local, realizou o teste do bafômetro e constatou o excesso. Dadas as circunstâncias pessoais do autor e também do fato (não haver lesionados e o cuidador de automóveis ter colaborado para o dano), arbitrei uma fiança de baixo valor, e ele acabou sendo solto para responder ao processo em liberdade.

E exatamente às sete horas da manhã, isso mesmo, faltando apenas uma hora para que o plantão fosse passado à outra equipe, recebemos mais uma notícia de homicídio. Dessa vez o nosso trabalho foi facilitado tanto pelo acesso ao local quanto pela luz solar que nos iluminava. O isolamento já havia sido feito pela Brigada Militar, assim que nos restou chamar a perícia e aguardar sua chegada. Foram alguns poucos minutos de espera, para que começássemos a mexer no corpo e saber como realmente teria se dado a morte. E não houve surpresa para ninguém quando vimos ao menos dois tiros: um pelas costas e outro que atingiu a cabeça. Testemunhas disseram que se tratava de um traficante/usuário de drogas, e esta deve ter sido a motivação para que mais essa vida fosse ceifada.

Ufa! Foi um plantão bem corrido, apesar de ter começado devagar. Não preguei os olhos em nenhum momento. Vinte e cinco horas de atenção e tensão.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Quarta, 12.10.11 - Dia da criança? Dia de gente grande

Enquanto me preparava para sair de casa recebi o telefonema do Delegado que estava saindo do plantão. Sua voz aparentava cansaço, resquícios de uma noite mal dormida. Os motivos? Dois flagrantes por terminar: um envolvendo a já conhecida e cansativa embriaguez ao volante (onde houve o pagamento de fiança para não haver recolhimento ao presídio) e um tráfico de drogas praticado por uma dupla em uma moto, e apreendida grande pedra de crack no valor de R$ 500,00 para ser posteriormente fracionada e vendida (faltando apenas a comunicação da prisão aos familiares destes). Feitas as diligências cabíveis, e os contatos com os parentes dos presos, não conseguimos encaminhá-los à prisão na primeira hora porque logo fomos chamados a atender um local de morte.

O trajeto, que possui aproximadamente 15 km, até o lugar onde foi encontrado o cadáver, foi relativamente tranquilo. Fizemos apenas uma abordagem a um veículo que possuía vidros escuros e que fechou um deles ao avistar a viatura. O motorista não tinha praticamente nada de errado (apenas papéis de seda jogados pelo carro - indícios do uso de maconha) e os documentos estavam em dia, por isso acabamos liberando-o. Já no estaleiro onde estava o corpo, encontramos um pequeno ajuntamento de pessoas: algumas trabalhando na reforma de um barco e outras curiosas tentando saber o motivo de a Polícia ter sido chamada.

Dentro de uma única e pequena peça, junto a roupas mal arrumadas e uma cama improvisada, jazia um senhor de uns 53 anos. Estava caído com a cabeça enconstada no fogão que pouco devia ser usado, pois segundo nos contaram os vizinhos, o falecido mais ingeria líquidos do que sólidos. Diziam que ele nunca ficava sóbrio, evitava a ressaca mantendo-se bêbado. Mas apesar desse defeito, era uma pessoa extrovertida e brincalhona, e muito querida por todos os que estavam em sua volta. Concluimos que a morte foi súbita, em decorrência de causas naturais, pois nenhum sinal de violência aparentava e não haviam motivos preliminares para alguém querer matar aquele senhor amado por todos. Uma senhora de uns 85 anos quis despedir-se do amigo, pouco ligando para o caminho tortuoso que levava ao último quarto em que ele viveu, caminhando aos trancos e barrancos (caindo quando tropeçou em uma viga de madeira envolta pelo mato que cresceu em seu entorno), e soltando timidas lágrimas quando avisou o conhecido. Recolhido o corpo, reunimos informações sobre os bandidos locais (até nessas horas as denúncias anônimas sobre outros crimes devem ser apuradas para ações posteriores) e partimos de regresso à Delegacia.

No caminho, avistamos um homem que parecia bêbado saindo do meio do mato. Resolvemos abordar para verificar o que ele estava fazendo naquele local ermo. Segundo nos contou, estava procurando tartarugas (apresentando sinais de uma certa deficiência mental). As aparências às vezes enganam, e ele tinha algo de suspeito (não sei explicar o quê) por isso fizemos um levantamento fotográfico dele, já que não portava nenhum tipo de documento. Na DPPA viemos a saber que é um conhecido ladrão de objetos da região; aproveita-se da sua aparente debilidade para aproximar-se das pessoas e levar seus pertences. Como ele não tinha praticado nenhum crime no momento da abordagem, acabou liberado, entretanto identificado para possíveis reconhcimentos fotográficos posteriores.

Na Delegacia, enquanto a Equipe Volante levava os presos da madrugada ao presídio, atendi a dois casos de violência patrimonial contra pedestres. Um deles foi um furto de uma bolsa de uma senhora que estava catando latinhas na rua. Quem em sã consciência furta uma catadora de latinhas? O pouco que ela obteria com a venda dos materias coletados, seria levado pelo ladrão. Só que ele contou com o azar dessa vez. Na tentativa de fuga, correu em direção a um quartel da Brigada Militar, e como estava sendo acompanhado por um motociclista (que avisou com antecedência os policiais), acabou sendo detido em frente ao Batalhão e trazido para nós para a lavratura do auto de prisão em flagrante. Mais um xis em sua extensa lista de crimes.

O outro caso foi semelhante, mas dessa vez houve a grave ameaça com uma chave de fenda e a bolsa foi arrancada à força, pois a mulher não queria liberá-la (aqui de novo a lembrança, não reagir nunca: a bolsa pode ser recuperada, como foi depois, mas a vida ou a saúde não!). Por sorte um vigia de um estacionamento viu a ação e perseguiu o acusado de bicicleta até avistar uma viatura da Polícia Militar, que acabou prendendo-o em flagrante. Por sorte - e graças à ação do vigia - a bolsa foi devolvida à pobre e assustada senhora. Aqui, o indiciado ainda mentiu o nome, dando um trabalho extra para nós, porém lhe rendendo mais um crime de falsa identidade para sua ficha criminal. E vai dormir na cadeia!

Mais tarde fizemos mais uma prisão em flagrante por embriaguez ao volante - artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. O motociclista embrigado foi fazer uma conversão à esquerda, mas um carro vinha atrás em alta velocidade e não teve tempo de frear, gerando a colisão entre os veículos. O piloto da moto acabou lesionado na boca, teve a moto danificada, estava bêbado e acabou sendo preso em flagrante. Que dia péssimo ele (que não tinha registro policial nem de perda de documento) teve. Era muito pobre, por isso arbitrei a fiança mais baixa que podemos arbitrar - de aproximadamente R$ 180,00 - para liberá-lo. Todos os acontecimentos já eram suficientes para mostrar que ele estava errado; ir para a prisão seria apenas aumentar desnecessariamente o seu sofrimento. Ele ainda tentava argumentar que não teve culpa na colisão, pois foi arrebatado na traseira, e não conseguia entender que não estava sendo "preso" pelo acidente, e sim pela direção de veículo automotor sob influência do álcool. Por fim, sua fiança foi paga com a reunião de notas de familiares e ele pode responder ao processo em liberdade. Sua ressaca moral certamente será muito maior de que a alcoólica.

O restante da noite foi calmo e aproveitei para tentar terminar de ler um livro que havia sido recomendado por um policial que trabalha comigo, até que veio o sono (rapidamente, devido ao intenso dia vivido).

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Sábado, 8.10.2011 - Furtar idoso é sacanagem

Logo de cara, ao entrar na garagem da Delegacia, vi um guincho estacionado com dois carros sobre ele, arrebentados (em verdade um estava pior que o outro em termos de danos materiais). Previ um motorista embriagado que teria perdido o controle do carro e batido. E minhas previsões estavam corretas. Mais uma vez me deparei com um caso de embriaguez ao volante. Quando não há ninguém ferido, até tento entender, mas o que me deixa transtornado é quando aquele que transgride as regras acaba por machucar um inocente.

São tão frequentes que chega a parecer normal. Porém, não podemos nos acostumar com isso, nem se aquietar caso venham a acontecer de novo. As pessoas têm que ter mais responsabilidade, principalmente na direção de veículo automotor. Este é um dos poucos crimes em que o "criminoso" não o pratica pensando em fazer mal a outro, ou em lesar algum bem (como ocorre com o furto, roubo, homicídio e tantos outros). Pratica simplesmente por praticar, por supor que não tem outra opção, por ter vergonha de pedir carona ou voltar de taxi para casa, ou por achar que nunca nada vai acontecer com ele: até o dia em que acontece. A imprensa esteve presente e me pediu uma entrevista para falar a respeito. Expliquei à televisão que não queremos que as pessoas não se divirtam, mas que o façam com responsabilidade, pensando no próximo principalmente. Simples assim.

O golpe de um carro no outro foi tão forte que aquele que nada tinha a ver com a embriaguez acabou sofrendo múltiplas quebras pelo corpo, tendo fraturas expostas nas pernas e sendo encaminhado ao hospital. Agora o bonito que bebeu responderá ao processo criminal em liberdade (pois pagou a fiança arbitrada), enquanto que a vítima dele ficará presa a uma cama por meses até a completa recuperação. É uma inversão de consequências sem tamanho. Se beber não dirija. Leve esta frase a sério.

Tivemos também mais uma violência doméstica e familiar contra a mulher. Um neto usuário de crack não deixava a avó em paz, e quando esta se negava a lhe ajudar com comida ou mais dinheiro para sustentar o vício, este a ameaçava e quebrava os bens da residência. Foi preso alguns meses atrás pelo mesmo motivo, solto, e agora continua a praticar a mesma ação. Até onde isso vai? Não quero pagar para ver! Todas as vezes que ele for apresentado aqui, ameaçando a senhorinha, vai ao menos dormir na cadeia, vamos fazer a nossa parte para acabar com essa violência covarde que ocorre dentro dos lares.

Pouco depois de anunciar a prisão anterior ao acusado, vi que um senhor bem idoso aguardava para ser atendido. Como nossas mesas de atendimento estavam cheias, resolvi eu mesmo ajudá-lo. Estava acompanhado da filha de 15 anos, que foi útil para traduzir o alemão-português que ele falava. Em suma, me narrou que no dia anterior três pessoas teriam ido à sua casa anunciando serem da Prefeitura, e que o ajudariam a cuidar da saúde. Com esse pretexto, pediram que retirasse o casaco para melhor examinarem-no e nesse ínterim, acabaram levando sua carteira com os cartões de crédito (e a senha deles anotada em um papelzinho). Registrei o fato e poderia tê-lo dispensado, pois a Delegacia da área cuidará das investigações, mas fui além. O idoso de 94 anos mal conseguia ouvir e pouco entendia de cancelamento de cartões bancários ou "tecnologias", por isso, entrei em contato com os respectivos bancos para que fossem cancelados (espero que não tenham tido tempo de usá-los). O bom velhinho foi embora tão feliz que me convidou para pescar e ainda ofereceu o almoço. Essa é a parte boa da profissão: ajudar e ver o resultado instantâneo disso. Aqui também fica um lembrete: nunca deixem as senhas no mesmo local das coisas que elas pretendem proteger, tipo deixar a senha do computador anotada embaixo do teclado, ou mesmo as senhas bancárias na carteira. Se é fácil para nós, também será fácil para quem pretende usá-las para o mal.

Por fim, a última ocorrência relevante foi a detenção de várias pessoas que seriam, em tese, receptadoras de motos roubadas ou furtadas. No começo do dia registramos o roubo de uma moto no sistema. Mais tarde, a Brigada Militar recebeu um telefonema informando que um indivíduo estaria no local onde a moto havia sido encontrada para buscá-la, como se estivesse à procura de algo. Rapidamente lograram êxito em detê-lo, mas aqui na DPPA não tivemos como provar o vínculo dele com o crime (ao menos não naquele momento). Ainda assim, as pessoas que o acompanhavam em um carro estavam na posse de drogas (cocaína) para todos utilizarem. Essa vinda à Delegacia não sairia de graça para eles. Fizemos um simples registro de posse de drogas, mas nesse caso, inseri aquele que assumiu a propriedade delas como traficante "privilegiado", por estar induzindo as pessoas ao consumo, ainda que não visasse ao lucro ou que fose consumir em conjunto. Essa tipificação (adequação da conduta dele com um crime previsto na lei) não tem o mesmo peso de uma prisão em flagrante por tráfico, mas também não conta com a leveza da punição de advertência dada ao simples usuário. A sacada foi ótima, pois punirá o agente exatamente pelo crime que cometeu.

A madrugada foi estranhamente tranquila para um sábado a noite. Talvez tenha sido poupado pelo dia corrido que tive.

sábado, 8 de outubro de 2011

Terça, 4.10.11 - Roubo a lotérica = prisão em flagrante

Começo do dia com a mesma história: despacho de ocorrências. Mas já pela manhã tive a minha rotina de plantão alterada por uma reunião com os comandantes da Brigada Militar e os demais Delegados de Polícia Judiciária da região.

A intenção era aparar algumas arestas, combinar uma forma de trabalho mais coesa, um modo em que pudéssemos chegar a um denominador comum, já que os nossos "inimigos" não são os pertencentes a outras instituições, e sim aqueles que transgridem a lei. Conversamos sobre diversos assuntos (eu na maior parte do tempo fiquei calado, só observando e aprendendo um pouco mais sobre o que significa Segurança Pública). Dizem que temos dois ouvidos e uma só boca porque devemos ouvir muito mais do que falar. E assim procedi, dando apenas pequenas contribuições. Terminada a roda, aproveitamos que era hora do almoço e comemos todos na mesma mesa, mostrando mais uma vez a intenção de união entre as duas casas. Isso facilita, e muito, o desenvolvimento dos trabalhos, porque além do respeito pela função de cada um, tratamos uns aos outros como amigos e colegas.

Enquanto estava na reunião em referência, recebi dois telefonemas da Delegacia: um dizia respeito a uma ameaça com vias de fato perpetrada pelo pai contra os filhos adolescentes, e outro informando que um rapaz havia sido detido portando 4 munições calibre 22. Em nenhum dos casos foi feita a prisão em flagrante, devido à baixa lesividade da conduta de cada um, embora estivessem errados. Responderão pelos crimes cometidos, mas em liberdade.

E no meu retorno à DPPA, notei que havia um menino algemado ao cano chumbado na parede para essa finalidade. Só parecia um menino, porque já contava com 19 anos, e uma extensa ficha criminal quando adolescente. Estava um pouco machucado e logo perguntei o que havia acontecido. Ele me contou que estava caminhando pela rua, próximo à sua casa quando um outro rapaz o teria agredido injustamente. Segundo esse rapaz (vítima) contou, o "menino" teria furtado a sua casa, e levado diversos bens, muito embora nada tenha sido encontrado em seu poder. Me narrou que ele é conhecido furtador da região e por esse passado, o teria agredido, tendo a certeza de que ele teria algum tipo de envolvimento com o ocorrido. Porém, como não havia uma prova mais robusta que pudesse incriminar o suspeito (apenas suspeitas da autoria), apenas fizemos o registro da ocorrência e o liberamos, na certeza de que quem é bandido não larga essa vida de um dia para o outro; se não conseguimos prendê-lo hoje, amanhã talvez. Não podemos ter pressa, agir conforme manda o ordenamento jurídico e apurar melhor os fatos é o nosso dever, para que obtenhamos uma condenação definitiva posteriormente.

E o caso mais interessante do dia ainda estava por chegar. Foi uma prisão em flagrante de um acusado de praticar roubos a estabelecimentos comerciais. Estava no gabinete quando notei que pela janela passavam diversas viaturas da Polícia Militar - e quando chegam várias ao mesmo tempo, é sinal de que alguém importante foi detido. Logo me interessei pelo que estava acontecendo e sai do meu refúgio para entender melhor o que se passava. O roubo aconteceu da seguinte maneira: dois indivíduos de capacete ingressaram em uma lotérica (aproveitando que os bancos estão em greve, e a movimentação pessoal, e obviamente, financeira aumentam) e anunciaram o assalto. As funcionárias, seguras atrás de um vidro blindado, correram para o segundo andar da loja, não esperando para ver o pior, deixando os bandidos a ver navios no meio dos clientes. Não tendo mais como roubar a lotérica, resolveram anunciar o roubo às pessoas que ali se encontravam - não foram ali, não se expuseram, para não levar nada para casa. Acabaram por levar um celular e uma certa quantia de dinheiro de duas vítimas e sairam rapidamente, já que estavam no centro da cidade (local de grande circulação e policiamento ostensivo).

Testemunhas acompanharam a movimentação de longe e conseguiram obter a placa da moto que tripulavam no momento em que empreenderam fuga. Passada a numeração para a Brigada Militar, começaram-se as buscas e em um bairro já distante do centro, conseguiram encontrar apenas um deles pilotando a moto. O outro foi deixado em algum outro lugar, pois a melhor opção de fuga para eles era a separação. Ao que tudo indica, este que desceu da moto ficou com os objetos roubados, enquanto que o outro apenas prosseguiria a corrida, levando o ciclomotor de volta à casa. No momento em que foi abordado, portava uma pistola calibre 380, e após detido, foi apresentado nesta Delegacia. O trabalho foi muito bem feito pela BM, pois conseguiram junto ao proprietário da lotérica, as filmagens e as trouxeram aqui para uma melhor análise. Não tinha como o acusado negar a participação: as roupas e o capacete eram idênticos ao do filme que eu havia acabado de ver (tanto que apreendemos inclusive sua camiseta).

Perguntado sobre como se deu o crime (e se ele seria quem teria roubado um mercado logo após), ele afirmou que roubou mesmo a lotérica, mas os minimercados são para ladrões "chinelos", tentando impor algum respeito. Tentando mostrar o quão importante era para o mundo do crime. Revistado o preso, o levamos ao xadrez e perguntamos se a arma funcionava, ao que respondeu positivamente (onde será que ela foi testada?). Ainda lá, pudemos perceber que possui uma cicatriz de recente operação no coração, ou seja, nem mesmo com a saúde debilitada ele deixou de praticar os atos criminosos. Sob ele ainda recai a suspeita de ter participado do latrocínio narrado no plantão anterior, pois além de denúncias anônimas, pediu que avisássemos no presídio para colocarem-no em ala diversa das dos irmãos da vítima do último domingo. O medo já estava batendo nele. Pena que não tem esse medo ao assaltar pessoas inocentes.

Enfim, foi uma prisão com grande repercussão e que mostrou o brilhante trabalho feito em conjunto pela sociedade, Brigada Militar e Polícia Civil. Tentamos nesses novos tempos, inserir a ideia de que a Polícia é Comunitária, e só com a ajuda da população de bem, nosso trabalho será valorizado e conseguiremos combater com mais eficiência a criminalidade. O problema da Segurança é de TODOS nós. Pessoas honestas são a maioria: não deixemos o mal vencer (nem mesmo que ele dê essa impressão, por menor que possa parecer)!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Domingo, 2.10.11 - Latrocínio pelas costas

O domingo geralmente é bem sossegado, com algumas poucas brigas de família; os furtos quase não ocorrem, porque as lojas estão todas fechadas e assim foi durante o dia. Mas tem um crime que me persegue nos meus plantões: o homicídio.

Nesse dia de trabalho especificamente, ocorreu um latrocínio (roubo seguido de morte), e por achá-lo um caso interessante, devido às suas particularidades, contarei com detalhes como foi todo o trabalho.

Às 22:30 hs, enquanto terminava o meu jantar, recebi um chamado de que havia ocorrido um evento morte em um bairro distante do centro, já conhecido por ser violento. Assim, fiz contato com a Equipe Volante (que nesse plantão era de um homem só, já que a sua dupla estava de férias) e pedi que passasse em minha residência para melhor aproveitarmos o tempo, não deixando decorrer muito, pois o passar das horas é prejudicial para o início de uma investigação que se preze. Em apenas dez minutos recebi o toque no celular e desci ao seu encontro.

Lá dentro recebi uma notícia ruim, de que o Instituto Geral de Perícias - IGP-, não poderia atender a esse local de morte porque não se encontrava na cidade, uma vez tiveram que prestar seus serviços em outra comarca. Como todos devem imaginar - pelo menos quem assiste CSI -, a perícia é imprescindível no contexto atual, pois a prova técnica pode tornar-se mais importante que um depoimento por exemplo. Segundo conversas, só poderíamos contar com a atuação deles após as seis horas da manhã. Fiquei apreensivo, porque até que cheguem os peritos, o local de crime fica sob a nossa custódia, devendo permanecer isolado até que se completem os trabalhos.

A noite estava um pouco fria, e eu não queria ter que ficar ao léo umas sete horas esperando com o corpo aos nossos pés, com familiares na volta cobrando uma atitude de nossa parte e ainda por cima fechando a rua (se preciso, ficaria). Fizemos contato com o IGP de Porto Alegre, para ver se nos davam alguma dica de como proceder, e nos informaram que deveríamos isolar o local e esperar (para meu desânimo). Fizemos então contato com o chefe dos peritos (o salvador da pátria) que, após pequena insistência, concordou em nos ajudar, mesmo estando de folga. Ele deixou sua casa com a moto particular e deslocou-se até onde nos encontrávamos, tudo para não nos deixar na mão nesse momento de aperto. Sou muito grato à sua atitude, e isso me fez mostrar que não temos somente funcionários públicos preocupados com horários trabalhando conosco, mas sim verdadeiros interessados em brigar pela causa.

Não foi diferente com a perita do DML. Ela pegou a viatura sozinha e também foi ao local - não buscou o auxílio do outro perito que estava de sobreaviso porque dissemos que lhe ajudaríamos no que fosse preciso, tudo para dar um atendimento mais célere. Chegando lá, a Brigada Militar guarnecia o ponto. Nos deparamos com duas motos caídas no chão, e apenas um corpo esticado. Segundo narraram os populares (impossível chegar antes deles), houve uma tentativa de roubo de uma moto. A vítima, ao tentar fugir, foi alvejada por três vezes, embora tenham ouvido cinco disparos de arma de fogo (dois devem ter virado bala perdida). Conseguiu prosseguir seu caminho, na tentativa de fuga de seus algozes, mas poucos metros adiante, desfaleceu e tombou. Com a queda, e o arrasto da moto, acabou por atingir a motocicleta de um senhor que passava por ali. 

Ocorrido o crime, passamos a investigá-lo. Alinhamos as viaturas de modo a fechar o acesso pela rua e acendemos os faróis para melhor iluminar o lugar. O perito do IGP usou a nossa câmera para realizar o levantamento fotográfico e enquanto ele realizava seu trabalho, fiquei conversando com o senhor que teve a moto envolvida no acidente e quem mais pudesse dar informações precisas de onde haviam ocorrido os tiros, já que onde estávamos era apenas o local da queda do falecido.

Colhidas todas as informações, recolhemos o corpo e nos dirigimos para onde teria sido o local da abordagem inicial. Infelizmente a luminosidade era precária e não pudemos apurar melhores informações. Apenas pudemos notar na rua um desenho de amarelinha, quem sabe um mero detalhe que apontava que aquela localidade já teve dias melhores, momentos de felicidade. Os projéteis ou cartuchos não foram encontrados. O que fizemos então, foi retornar à base.

Gostei muito de me dirigir a esse local nesse dia, porque embora todas as instituições envolvidas estivessem com parcos recursos, tanto humanos quanto materiais, nossa união mostrou que ainda assim é possível fazer um trabalho bem feito. 

Continuando com a referida união, fomos até o DML, acompanhados do perito do IGP para despir o cadáver e tentar encontrar maiores pistas dos fatos, ou pelo menos tentar apurar qual foi a causa da morte. Embora todos estivéssemos com luvas nas mãos, só a perita manuseou o corpo. O Policial Civil que me acompanhava tirava as fotos, o do IGP fazia anotações, e eu ficava de curioso (ou de voluntário para o que mais se fizesse necessário).

Foram três tiros pelas costas. Um deles transfixou o braço esquerdo e se perdeu; o outro entrou na nádega direita e saiu pela barriga. Mas o que vitimou o rapaz foi um tiro que ingressou pelo lado direito e deixou o corpo próximo ao coração. Por sorte, este último, apesar de ter ultrapassado as resistências do corpo, ficou nas vestes da vítima. Importantíssimo para que possa ser feita uma perícica balística e posterior comparação a outras armas que vierem a ser apreendidas.

Já possuimos suspeitos, mas a Delegacia de Roubos irá prosseguir na investigação, e certamente encontrará o covarde que atirou, para levar uma simples moto, em mais um inocente.

domingo, 2 de outubro de 2011

Sexta, 30.9.11 - Você, furtando de novo? Vamos testar uma nova abordagem.

Diferente da última segunda, essa sexta foi muito agitada! Como sói acontecer com as sextas-feiras, quase não consegui colocar a cabeça no travesseiro e dar uma respirada. Em suma, foram duas prisões em flagrante por furto arrombamento, outras duas mais por embriaguez no volante, além de outras ocorrências que não geraram prisão, dentre as quais destaco um furto a estabelecimento comercial feito por um travesti e uma diuscussão familiar sobre a guarda de uma criança de 1 ano e meio aproximadamente.

O primeiro caso de furto ocorreu já nas primeiras horas, justo na troca de plantões. O bandido entrou na residência e já havia separado todo o material para levar, porém, resolveu parar com seu intento e fazer um lanchinho. Imaginem só, em vez de sair do local o mais rápido possível, tamanha era a ousadia dele que resolveu parar para comer. Não bastava pegar alguns bens da vítima, ainda quis fazer uma boquinha, quem sabe para poder dormir tranquilo e contar o seu êxito com a barriga cheia. Esse foi o seu erro, pois a mulher que havia dormido na casa de sua filha, que mora nas redondezas, percebeu a porta forçada e chamou a Polícia Militar, que prontamente agiu e conseguiu pegar o ladrão ainda dentro da residência. A prisão em flagrante foi por furto qualificado (pelo arrombamento), na forma tentada, já que nem sequer saiu do local que havia forçado a entrada.

O outro furto foi de uma porta de madeira em um estabelecimento que estava passando por reformas. Era um antigo galpão, que havia sido abandonado pelos antigos proprietários e uma igreja evangélica o adquiriu para ampliar suas sedes. Acreditando que o lugar não possuía dono, dois meliantes ingressaram nele e estavam levando uma porta de madeira, de valor aproximado de R$ 200,00. A Polícia nem teve tanto trabalho dessa vez, pois viu ambos caminhando na rua tentando transportar o grande objeto que pretendiam vender posteriormente. E este foi o segundo caso de furto arrombamento no dia.

Além disso, fora os despachos de ocorrências e coisas administrativas, um senhor de mais de 70 anos, devido à chuva, excesso de velocidade e uma pingadinha de álcool na garganta, chocou-se contra outro veículo. Os agentes de trânsito da cidade foram acionados e, soprado o bafômetro, constatou-se o elevado índice alcoolico em seu sangue (ou no ar expelido por seus pulmões). Felizmente ninguém saiu ferido e o senhor pagou uma fiança de um salário mínimo para ser liberado e pode responder ao processo em liberdade, escapando de passar a noite dormindo (ou não) em uma cela comum.

Outro embriagado ainda tirou um pouco do nosso sono, mas da mesma forma como ocorreu anteriormente, ninguém ficou ferido, e ele foi liberado (mediante pagamento da fiança) para retornar à sua casa e pensar melhor no que fez.

Durante a tarde, recebi um outro caso para análise. Era um furto de barras de chocolate em um estabelecimento comercial feito por um travesti. Segundo as informações obtidas pelo nosso sistema, ele havia praticado outro furto, com o mesmo modo de operação, havia apenas dois dias. O flagrante havia sido feito, mas por não ser um crime grave, acabou sendo liberado pelo juiz que analisou a causa. Dessa vez, apesar da reincidência dele, fiz diferente. Em vez de prender, e mostrar a força estatal, resolvi, com a ajuda de uma policial militar conversar com essa pessoa e tentar entender o que estava acontecendo com ela, os motivos pelos quais estava praticando determinados tipos de crimes, seguindo nesse ciclo vicioso. A PM já o conhecia de outras datas, mas não por causa dos trabalhos policiais, e sim porque em um período anterior, esse homem/mulher havia sido um excelente cabeleireiro na cidade. Inclusive com cursos e experiência na Europa. Ao explicar o que o levou a praticar os crimes, chorou e narrou sua triste história. Foi à Europa para prostituir-se, e lá contraiu o vírus da AIDS. Ao retornar ao Brasil, desolado, entrou no mundo das drogas e até hoje está perdido no meio da desgraça que é o crack. O trabalho desenvolvido com ele não foi em cima da tecla da coação (legítima), mas do entendimento. Espero que essa atitude de entender os motivos, de tentar enxergar o ser humano que está por trás de cada crime tenha ajudado dessa vez, e que ele encontre o seu caminho de paz novamente.

Outro caso em que tive que interceder foi de uma briga familiar pela guarda de uma criança de aprocimadamente um ano e meio. A mãe, quando teve o bebê, não tinha como sustentá-lo, e para tanto, fez uma "adoção" a uns parentes com melhores condições de vida. Agora, com a vida um pouco mais estabilizada, ao ver a beleza  que era asua filha, resolveu que queria ela de volta. Obviamente os "pais" que a criaram não queriam abrir mão de tê-la por perto. E foi instalado o conflito. Aqui ouvi as partes, inclusive o Conselheiro Tutelar, e convencemos a mãe biológica que o melhor para esse momento era que a filha permanecesse onde estava, até que ela conseguisse um melhor patamar, uma melhor estabilidade e o retorno gradual de sua filha ao seu convívio. Foi um pouco difícil, pois as emoções estavam à flor da pele, e a mãe não queria abrir mão de ficar com a filha, mas conseguimos. O conflito estava solucionado - ao menos momentaneamente - e as partes retornaram para suas residências sem maiores consequências ou danos.

Algumas outras coisas ocorreram, mas nada de relevante ou marcante. Foi uma noite pinga pinga, pois a cada hora alguém aparecia aqui clamando pela solução de seu caso; e resolvemos todos eles.

No final do plantão ainda foram presos outros três, acusados de terem praticado roubo a pedestre com o uso de simulacros de arma de fogo. Mas dessa vez, ouvi os primeiros relatos, a versão da vítima, decidi pela lavratura do auto de prisão em flagrante, e deixei para a próxima equipe terminar o registro, já que era demais para uma noite o que havíamos passado.