segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Segunda, 29.08.11 - Plantão tranquilo.


Esse plantão que passou foi um dos mais tranqüilos em que trabalhei nesses meses. Depois da tormenta veio a calmaria e pude usar dessa tranqüilidade para refletir sobre o trabalho e também para dar um apoio aos policiais que estivessem precisando de um conselho.

É impressionante como coisas simples podem fazer toda a diferença. Aqui temos um policial que é muito grande, mas muito grande mesmo, pra dar um abraço nele precisamos de ao menos duas pessoas, entretanto, apesar do tamanho, é uma criança. Não imaginam o quão grato ficou só porque eu redigi um ofício e telefonei ao setor de armas da Polícia para que a arma que ele portava fosse substituída por outra mais nova (já que ele a possui há mais de 10 anos). Dizia todo alegre, “valeu meu mano”. Ainda tive oportunidade de ajudá-lo em uma quase encrenca que ele se meteu. Uma senhora veio registrar uma ocorrência de ameaça e ele, arrebatado pela emoção, resolveu sair da Delegacia e ir ao local para verificar a veracidade do fato. O resultado foi que o antes acusado veio registrar uma ocorrência narrando o que havia se passado. Tiver que intervir para saber realmente o que havia acontecido, pois poderia ser que sobrasse alguma acusação contra o grandão. Por sorte o meu policial agiu profissionalmente e não se deixou levar pelas narrativas da senhora (somente no primeiro momento), tratando sempre com respeito o suposto acusado. Ainda assim, agradeceu demais só por eu ter “arredondado” a situação – quando na verdade não precisei fazer nada demais – só aclarar alguns pontos que haviam ficado obscuros no primeiro depoimento prestado pelo acusado.

Além disso, voltei à Central de TCs para conversar com o pessoal que lá estava e que aos poucos vai tentando voltar à rotina depois da perda que tivemos. Estavam um pouco mais animados, voltamos a conversar e a dar risada sobre as coisas que vivemos, sobre a teimosia daquele que nos deixou (que trabalhava tão bem que temos pessoas identificadas até o meio do mês de setembro para trabalhar, quando então deveremos encontrar alguém para substituí-lo). E aos poucos vamos retomando a vontade em trabalhar, tentando preencher a lacuna deixada.

Fui também ao novo local de trabalho conforme havia citado anteriormente. É uma simples sala, mas gostei muito do que vi, e acho que serei útil, já que apenas um policial exerce as suas funções por lá. Irei para somar e não para delegar funções ou para determinar alguma coisa (pelo menos não nesse começo atividade). Já tenho várias ideias para aprimorar o trabalho lá exercido, e aos poucos vou contando como elas estão – pelo menos aquelas que eu conseguir implementar.

Com relação ao marketing da Polícia Civil, hoje demos mais um importante passo. Consegui junto à Prefeitura, um espaço para colocação do nosso outdoor. O slogan já foi criado e já pedi que fosse realizado um esboço para apresentar para a chefia. Espero que aceite a criação e que a aprove, pois estaremos divulgando a nossa marca. Apesar de existir há muito tempo, poucas pessoas (inclusive operadores do direito) sabem para que serve a Polícia Civil, qual a distinção dela com relação à Polícia Militar, qual a atribuição de cada uma. E é dever nosso expor o que fazemos e como podemos melhor servir à sociedade na qual nos inserimos. Estou sempre à disposição para dirimir eventuais dúvidas a esse respeito.

E quanto às ocorrências, de acordo com o dito acima, nada de grave ocorreu, nada que já não fosse a nossa rotina diária. Houve apenas uma prisão em flagrante, pelo porte de uma arma de fogo, mas como o acusado pagou fiança (a arma era de calibre permitido, o que possibilitou essa saída legal a ele), acabou sendo solto para responder ao processo em liberdade.

Também foi encontrado um cadáver de uma senhora, que possivelmente morreu na noite de sábado para domingo, mas ao verificarmos melhor os fatos (com a ajuda imprescindível dos peritos) entendemos que houve uma morte súbita. A senhora era diabética, já estava cega em decorrência da doença e por complicações dessa acabou falecendo sem assistência médica.

A velha ocorrência da lei Maria da Penha também compareceu. Um guardador de carros, ao chegar em sua casa, após ingerir bebidas alcoólicas, ameaçou a companheira com uma faca de cozinha. Por sorte a irmã da vítima interveio, separou as partes e chamou a Brigada Militar. Todos trazidos aqui, a história mais uma vez se repetiu: um casal que não vem bem há dois anos, com histórico de agressões e ameaças, mas que a mulher nunca havia registrado nada. Fica aqui um conselho às mulheres vítimas de violência: registrem TODOS os fatos, mesmo que não queiram representar criminalmente contra o companheiro (a representação é exigida na maioria dos casos, pois sem ela a Polícia não prossegue com a investigação, porém é possível apenas deixar registrado o ocorrido). Esse passo é importante para criar um histórico dessa relação tortuosa, e para facilitar ao Delegado se tiver que decidir pela prisão em flagrante, ou não, quando as coisas se tornarem mais feias, e as agressões mais sérias.

sábado, 27 de agosto de 2011

Sexta, 26.08.11 - Um AVC fez tombar o gigante


O dia não começou bem, e quem me conhece sabe que poucas coisas me deixam triste. Hoje foi um dia desses. Ainda ontem recebi a notícia de que um policial que trabalha comigo tinha tido um AVC e estava internado em estado grave no hospital. Como sempre faço, não perdi as esperanças, por menores que elas fossem e fui para casa dormir, para me preparar para o plantão que começaria nesta manhã. E logo que pisei na Delegacia já corri atrás de notícias, de como ele teria passado a noite, mas lamentavelmente não eram boas. Ele não resistiu e faleceu.

Perdemos uma pessoa que estava ali do nosso lado, ainda ontem. É impressionante como a vida é frágil e ao mesmo tempo curta. Um dia estamos aqui, depois só Deus sabe, por isso, temos que viver intensamente. Brigar pra quê? Discussões pra quê? Preocupações pra quê? O negócio é ser feliz! “Don’t worry, be happy!” Não nos esqueçamos das nossas responsabilidades, mas mesmo elas, devem ser tomadas com um pouco de leveza, com menos stress.

Hoje ficamos todos discutindo o que pode ter acontecido com o nosso amigo, queríamos achar um “culpado” para o que aconteceu, quando na verdade não há. Simplesmente aconteceu. Simplesmente? Não é possível! Tentamos voltar no tempo e ver o teria acontecido e cada um veio contando um fato que teria vivenciado com o colega, alguns preocupantes, outros nem tanto. E em suma entendemos que o que houve foi um acúmulo de preocupações, principalmente financeiras e uma saúde debilitada pelo fumo e por uma alimentação não tão saudável (comemos quando dá, se não, o trabalho vem sempre em primeiro lugar).

Esse amigo que morreu tinha só 43 anos, e deixou 5 filhos (19, 17, 15, 13 e 10 anos) e a esposa. Tá certo que a família é grande, mas com o salário recebido, só sendo o guerreiro que ele foi para agüentar tamanha pressão. A perda é um momento difícil, pois não há nada a ser dito que possa afagar os nossos corações, temos apenas que deixar o tempo passar. Eu ainda não acredito no que aconteceu (talvez amanhã, ou melhor, segunda, eu volte na Delegacia e o encontre por lá, resmungando e reclamando do dinheiro que falta já no começo do mês). Fará falta. Não havia tempo ruim, nem lugar em que ele não se metesse, tinha uma bravura acima da média e um coração de gigante!

Mas a nossa rotina não perdoa e nem podemos chorar a perda de um amigo que as ocorrências continuam a acontecer. Hoje mesmo a manhã foi muito agitada! Prendemos em flagrante um rapaz de que tentou tirar a bolsa de uma senhora e ao não lograr êxito, a agrediu para garantir a posse do bem (o que seria um furto passou então a ser tratado como roubo). Por sorte a vítima não ficou muito machucada, apenas com algumas escoriações no joelho. E qual o motivo de ter tentado o furto? Alguém adivinha? A bendita droga! Mais uma vez o crack contribuiu para aumentar as nossas estatísticas.

Houve a prisão pelos policiais de uma Delegacia especializada, que fica no mesmo prédio da nossa, de dois suspeitos de terem praticado latrocínio contra um senhor. Eles teriam ido à residência deste para furtar seus animais, mas ao serem reconhecidos, o agrediram e terminaram por matá-lo (há aproximadamente um mês). Fizemos o registro da ocorrência de cumprimento do mandado de prisão preventiva expedida e agora eles descansam na prisão (se é que podemos considerar descanso).

Houve ainda mais um fato de grande repercussão. Um roubo a banco com tiros disparados para todos os lados. Dois assaltantes ingressaram na agência para roubar um malote, cada um em poder de um revólver. Renderam os guardas e pegaram a sacola com o dinheiro a ser levado, mas ao sair, cruzaram com policiais militares e houve breve troca de tiros. Por sorte ninguém saiu ferido, apenas alguns veículos e postes danificados. Os dois conseguiram montar em suas motocicletas e iniciaram fuga pela cidade. Como os policiais militares estavam fazendo apenas ronda a pé, não conseguiram alcançá-los. Foi chamado o reforço, tanto da BM quanto da Polícia Civil, mas ninguém conseguiu encontrá-los. Soube-se apenas que trocaram de veículo, mas não para onde foram. Agora a Delegacia especializada em roubos investigará o fato.

Já no fim da noite, tivemos um desfecho muito agitado. Fomos a um local de crime onde o morador da residência, ao ver que seria furtado, e que sua família corria risco diante de tal fato, pois o larápio portava uma faca, agarrou uma arma calibre 22 (baixo calibre para quem não conhece) e disparou setes vezes contra o vulto que se aproximava. Acertou cinco tiros (boca, mão, abdômen, nuca e costas). Em seguida, chamou a Policia Militar e o serviço de emergência, mas o bandido não resistiu aos ferimentos e morreu. Em tese houve uma legítima defesa e como foi o autor dos disparos quem acionou os serviços estatais, houve uma quebra na situação de flagrância, o que fez com que eu decidisse em não autuá-lo em flagrante, e ele responderá ao homicídio em liberdade.

Houve no mesmo momento um roubo a pedestre no qual o roubador deu uma voadora nas costas da vítima. Por sorte ela era policial militar de folga e conseguiu, com o apoio dos companheiros que rapidamente foram acionados, conter o acusado e levá-lo à Delegacia para ser preso em flagrante.

Por fim, mais um motorista embriagado. Além de ter destruído completamente o seu carro, por ter capotado e rodado, insultou os policiais que chegaram ao local logo após o acidente. Como fez o teste do bafômetro, foi possível fazer a prisão em flagrante. Só não foi completa a lição (acabou não indo à prisão) porque ele pagou a fiança arbitrada.

E assim terminou esse dia pesado, não apenas de trabalho, mas principalmente emocionalmente.

sábado, 20 de agosto de 2011

Sexta, 19.08.11 - Último dia como titular da DPPA


O dia começou bem. Recebemos pneus novos para a nossa velha viatura; agora estamos em plenas condições de trafegabilidade, sem comprometer a segurança dos policiais que usam do veículo. Elaborei o ofício para encaminhar ao Banco nossa proposta de instalação de um terminal eletrônico na Delegacia, agradeci a máquina de suco que nos ofereceram e que já mata a sede de todos que aqui aparecem, e entrei em contato com o fornecedor de máquinas de café. A Delegacia certamente ficará com uma cara diferente!
Recebi convite para participar das solenidades do dia do soldado (Exército) e confirmei presença. Esse contato com as demais instituições é muito salutar, tanto profissional quanto pessoalmente, pois trocamos experiências, ideias, inovações a serem feitas. Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Às vezes podemos adaptar projetos de outras casas, deixando a nossa Polícia Civil sempre atualizada.

Aproveitei o tempo livre para me inscrever nos cursos de espanhol e inglês que a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), com vistas a participar de eventos internacionais, como a Copa do Mundo que se aproxima. Se não for para esse fim, de qualquer forma o conhecimento tem um valor inestimável. Assim relembro o espanhol aprendido no Paraguai (quando morei em Assunção por dois anos) e também o inglês (companheiro de todo o meu tempo de colégio, nos cursinhos da vida). O mundo globalizado em que vivemos, outras línguas deveriam ter um valor muito maior do que representam atualmente.

Aproveitei o dia para me “despedir” dos policiais com os quais trabalham (na verdade nem houve despedida porque permanecerei na mesma Delegacia, conforme citado em outras publicações). Como última missão incumbi um deles de organizar um churrasco para a gente celebrar a nova fase: o chopp sai por minha conta!

Ainda na DPPA, recebi um telefonema de um oficial da Brigada Militar afirmando que hoje fariam operações coibindo a venda de Cds e DVDs piratas. Ao todo foram várias mídias apreendidas e três pessoas presas em flagrante. Na verdade arbitrei fiança a todas elas, e todas pagaram o valor que eu havia estabelecido. Fica aqui uma crítica à nossa lei nesse ponto. Pessoas extremamente simples tentando vencer o desafio de viver nesse mundo louco em que estamos, que buscam as alternativas informais para tentar achar um lugar ao Sol e que acabam cometendo esse tipo de crime. Há um princípio no direito penal que se chama adequação social. Quem nunca comprou algo de origem duvidosa? Um DVD, uma camiseta, uma bolsa, um jogo de videogame, um controle remoto? Nesse ponto entendo que não deveria haver repressão criminal para proteção dos direitos autorais (pelo menos não com relação às pessoas que vendem esses produtos, mas tão somente àqueles que efetivamente falsificam os produtos). Aqui o Estado defende as empresas que têm os seus direitos autorais violados, mas na verdade deveria dar os meios para que essas pessoas que “delinqüiram” pudessem se sustentar. Se houvesse uma melhor educação, se houvesse uma melhor oferta de emprego, se o Estado como um todo cumprisse o seu papel, certamente essas pessoas não precisariam vender referidos produtos. A sanção nesses casos deve ser civil, existem outros meios para as empresas cobrarem os valores perdidos para a falsificação de seus produtos. Assim como a embriaguez ao volante, apenas sanções administrativas já seriam suficientes na maioria dos casos. O direito penal deve efetivamente ser a ultima ratio, o último recurso cabível, a última força estatal para coibir essas ações de venda de produtos copiados.

Um outro caso que me chamou a atenção foi uma receptação de um veículo que havia sido furtado no começo da manhã. A própria vítima começou a fazer uma “investigação”, comparecendo a todos os desmanches da cidade, até encontrar o seu carro. Quando se deparou com ele, chamou a BM, que foi ao local e conseguiu prender três pessoas. Durante as buscas por partes de outros veículos, acabaram encontrando uma grande quantidade de droga (encontro fortuito de provas). Por não haver prova contra duas dessas pessoas, acabaram sendo ouvidas como testemunhas do fato em questão, mas o proprietário do local acabou recebendo voz de prisão. Foi um caso difícil de se resolver sobretudo pela carga emocional que o acusado pôs na situação. Jurava não saber de nada, e que nenhuma droga nunca lhe havia pertencido. Mas o Delegado ali tem que decidir na hora, no calor dos fatos, e optei por acompanhar a versão trazida pelos agentes do Estado. Para lavrar um flagrante precisamos de certeza da materialidade (veículo apreendido e a droga encontrada), e indícios de autoria. Nesse caso havia indícios de que o acusado era o autor do crime em tela, por isso acabei fazendo a sua prisão. Cabe à defesa provar a inocência ou ao Ministério Público confirmar as acusações feitas contra ele.

Para finalizar a noite, houve um cumprimento de mandado de prisão. Nesses casos somos meros registradores do fato, não preciso decidir nada, já que um juiz já determinou a prisão daquela pessoa, e nós atuamos apenas cumprindo as ordens da decisão judicial.

O dia passou rápido devido à toda a agitação ocorrida durante ele. Quando a gente faz o que gosta, e se entrete com o trabalho, nem vê as horas se esgotarem.  

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Quarta, 17.08.11 - mudanças na titularidade da DPPA


Dia de grandes mudanças. Hoje comecei o dia recebendo um empresário que nos emprestou uma máquina de suco (artificial) e ao mesmo tempo doou 120 litros para deixar aqui na Delegacia (e prometeu repor sempre que preciso), a serviço tanto dos meus policiais, quanto do público que nos visita. O resultado foi bem positivo, até pessoas de outras delegacias aqui vieram para “roubar” um pouco no nosso suco. Foi um gesto simples, que alegrou o começo do nosso dia. Às vezes pequenas coisas fazem uma grande diferença. Hoje tiveram a certeza de que eu me preocupo com o bem estar daqueles que trabalham comigo, e que farei o possível para mudar a realidade em que vivemos.

Também conversei com outro representante comercial sobre o asfaltamento de nossa garagem. Recebi uma mensagem positiva, embora esperasse um pouco mais de abertura. O material para a obra nós teremos, porém preciso encontrar a mão de obra para o feito (vou buscar ajuda do Exército, eu acho). Sou muito grato por ter tido essa oportunidade de inovar, de tentar algo diferente. Vou me arriscar, quero melhorar a cada dia o nosso serviço, seja para o público interno (policiais), seja para o externo (pessoas que recorrem a nós).

Hoje foi o dia do autógrafo. Perdi as contas de quantas vezes tive que assinar os papéis que me eram apresentados. Devo ter até vendido o carro no meio dessa papelada e nem percebi. Mas ao menos coloquei em dia as ocorrências registradas anteriormente, bem como os procedimentos que já haviam sido instaurados.

Também expus à minha superiora as minhas intenções quanto às reformas que estou promovendo e as propostas de marketing para a Polícia Civil em geral. Fiquei mais uma vez satisfeito com o resultado. Ela adorou o trabalho e inclusive me deixou continuá-lo, não apenas para a minha Delegacia, mas para toda a Polícia Civil na cidade! Inclusive me propôs uma nova atribuição: trabalhar no setor de informações e marketing. Vai ser um desafio que abraçarei com todas as forças, já que não sou de correr ou fugir dos obstáculos que se apresentam.

Porém, lamentavelmente terei que deixar a titularidade da Delegacia em que trabalho. Entretanto até essa despedida está sendo positiva, pois pude ver o quanto os meus policiais gostaram do meu trabalho. Me disseram: “time que tá ganhando não se muda Delegado!”. Sinal de que cumpri a minha missão, a meta que havia proposto a mim mesmo, de desempenhar o papel de maneira exemplar, e com o apoio incondicional da maioria dos que estão comigo. Não deixarei a DPPA de vez, portanto continuarei nos sagrados plantões, com a única diferença de que não mais decidirei administrativamente como andará a Delegacia. Agora competirá à uma brilhante colega que também se formou na Academia de Polícia recentemente (era apenas de outra sala diversa da minha). Desejo a ela toda a sorte do mundo, e todo o apoio também. Como ficarei por aqui, prestarei essa ajuda sempre que me for requisitada, por ter adquirido essa experiência ainda que em um curto espaço de tempo (8 meses aproximadamente).

Quanto aos famosos casos, hoje cumprimos um mandado de prisão que estava em aberto. Recebemos uma denúncia anônima de onde estaria a foragida e minha equipe Volante se dirigiu ao local e efetuou a prisão. Felizmente não houve reação (pelo que me contaram os policiais, só faltaram servir cafezinho, tamanha a qualidade de trabalho que nós atingimos e o respeito da sociedade para conosco).

Além disso, outros dois indivíduos foram detidos portando uma arma de fogo. Estavam em uma moto roubada há cinco dias e a Brigada Militar suspeitou da atitude deles quando se aproximavam de uma farmácia – provavelmente para realizar outro roubo. O trabalho da PM foi importantíssimo, por ter tirado das ruas esses perigosos comparsas. Para terem uma ideia da periculosidade deles, no revólver havia cinco cartuchos, sendo três deles percutidos, mas não disparados (ou seja, atiraram anteriormente contra alguém, só que esse alguém teve tanta sorte que nas três vezes em que dispararam a arma falhou, apesar de ter percutido no fundo do cartucho). Receptação e porte de arma de fogo são os crimes pelos quais responderão pelo fato cometido hoje, mas a Delegacia de Roubos contatará as possíveis vítimas, e espero que sejam reconhecidos, para vinculá-los à grande parte dos crimes de roubo da região. Se isso ocorrer, retiraremos dois marginais das ruas e também ajudaremos a Delegacia especializada, que poderá “resolver” diversos casos com autoria ainda desconhecida.

Houve ainda um roubo a pedestre em que a vítima reagiu ao assalto ao ver que nenhum dos autores estava armado. Eles nada conseguiram levar e saíram caminhando, mas enquanto isso os amigos da vítima cruzaram com a viatura da equipe Volante e pediram apoio. Logramos êxito em deter o suspeito e a vítima confirmou a identidade do sujeito. O outro não foi encontrado. De qualquer forma, foi mais um brilhante trabalho executado, pois os policiais não se furtaram em nenhum momento no atendimento à emergência, muito pelo contrário, se mostraram diligentes (como sempre o fazem). Para essa dupla não existe tempo ruim, pode chamar que eles estarão lá!

Por fim, recebemos outros dois indivíduos como suspeitos de furto escalada em estabelecimentos comerciais. Sobem pelo telhado, retiram as telhas e ingressam no local almejado. Lá dentro escolhem os bens (e como escolhem mal, porque na maioria das vezes são bens de pouco valor) e tratam de retirá-los. Nesse caso específico entraram pelo telhado e tentaram sair pela janela levando um microondas, mas ao romper um vidro, um deles cortou a mão e ainda por cima teve que sair pelo buraco que havia entrado. Resultado: paredes todas sujas de sangue e poucos bens subtraídos. E o cara de pau ainda me narrou a versão de que teria sido agredido ontem por desconhecidos (eis a razão dos machucados). Ah como a mente pode ser fértil, acho que no caminho para a Delegacia eles vão bolando uma versão mais mirabolante que a outra, porém quase nenhuma cola.

Falando em versões, lembrei de uma senhora trazida aqui acusada de furto de carne em um supermercado. Ela me contou aos prantos que era uma mulher honesta e que a carne teria atirado contra um dos atendentes do mercado porque ele teria iniciado uma briga com ela. Eu acreditei no que ela disse, tanto que tentei confrontar com a história passada pelo segurança. Mas a velhinha não contava com a tecnologia. Foi-me mostrada a filmagem do momento do furto, a senhora havia escondido na bolsa e tentado sair de mansinho, sendo pega logo após deixar o caixa. Isso tem um lado positivo, de SEMPRE ouvir todas as partes envolvidas, no trabalho ou em qualquer área na vida, mas também traz algo de negativo, que é passar a desconfiar de tudo o que te contam. Eu ainda estou só no lado positivo, e pretendo continuar assim por muito tempo, ouvindo a todos, mas não perdendo nunca a confiança que tenho nas pessoas. 

Na troca de plantão fiquei um pouco a mais para ensinar alguns atalhos para a amiga que assumirá a minha função. Mais uma vez desejo-a muita sorte e paciência (porque ela vai precisar).

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sábado, 13.08.11


Mais um dia de trabalho estava por começar. Hoje cheguei feliz na Delegacia devido aos resultados obtidos no dia anterior. Vou contar melhor o que aconteceu.

Marquei reunião com diversos estabelecimentos comerciais da cidade para poder tentar melhorar o nosso atendimento ao público, bem como aos policiais que aqui trabalham ou que utilizam desta Delegacia como apoio. Conversei com um representante de máquinas de café para colocar uma no saguão de espera, pois assim as pessoas que aguardam o atendimento podem se sentir um pouco mais acolhidas (mesmo que tenham que pagar pelo que forem consumir). Aproveitando o ensejo, e que estava com o telefone na mão, liguei para outros dois lugares, um deles para viabilizar o asfaltamento do nosso estacionamento onde ficam guardadas as viaturas, permitindo assim um melhor cuidado com o patrimônio público que se encontra em nossas mãos, uma saída mais rápida do pátio para atendimento de alguma emergência e para o conforto quando da manobra dos veículos estacionados.

Por fim, contatei um banco estatal para colocar um caixa rápido aqui dentro. Isso será de interesse do banco, pois terá o seu totem em um local seguro, aberto 24 horas, além da divulgação de seu nome (marketing) para as pessoas que aqui entrarem para seus registros de ocorrências. E para nós também será positivo porque, como recebemos através desse banco, evitaremos deslocamentos para realizar simples saques ou pagamentos e as partes terão de onde sacar o dinheiro para eventuais pagamentos de fianças (em horários não bancários, o acesso ao dinheiro para essa finalidade torna-se difícil, assim, respeitaremos ainda mais o direito do acusado de pagar a fiança para responder ao processo em liberdade).

Se conseguir que esses três contatos dêem certo, estarei realizado com a minha administração, e aí será hora de partir para planos mais ambiciosos. Quero tornar essa Delegacia em um lugar modelo, mais do que ele já é (no ano passado recebemos um prêmio de excelência como delegacia padrão), e não podemos deixar cair o rendimento.

Com relação ao dia de trabalho: hoje pela manhã recebi ligação do Delegado que havia saído do plantão me passando duas pendências: levar os presos da madrugada para o presídio e fazer uma ocorrência de falsa identidade. Presos encaminhados, parti para a próxima missão. Uma mulher havia sido presa ontem furtando uma farmácia, e ao chegar na DPPA, passou o nome de sua irmã para que pudéssemos identificá-la. Foi verificada a foto no sistema, mas devido às semelhanças entre ambas, acabaram fazendo o procedimento com o nome da pessoa errada. O erro só foi constatado posteriormente, após tudo já ter sido registrado e encaminhado aos órgãos estatais respectivos. Há quem defenda que mentir sobre a identidade para não ser preso é apenas o exercício do direito de defesa, mas eu entendo o contrário, se quiser mentir sobre os fatos ou ficar em silêncio, tudo bem, mas enganar quanto à identidade é crime, e como tal, deve ser punido. Assim, além do registro do fato, encaminhei pedido de prisão preventiva dessa mulher para identificá-la de uma vez por todas (precisamos identificar a pessoa sem que reste qualquer dúvida a esse respeito, imaginem se ela estiver mentindo de novo).

Ainda terminando a impressão das páginas do pedido de prisão a serem encaminhadas ao Poder Judiciário, fui avisado de que um corpo havia sido encontrado. O pessoal já até brinca que meu pé é frio demais, porque sempre encontramos um cadáver no meu plantão, mas eu gosto de pensar o contrário, sou privilegiado porque penso que resolvo problemas ao invés de criá-los ou simplesmente esperar que outros resolvam. No caso, suspeitava-se ser um militar desaparecido havia uma semana. Estava boiando perto da margem da lagoa da cidade. O corpo não saia do local apesar da correnteza e do vento que havia no momento. Tudo levava a crer que ele estaria amarrado ou que teria algum peso no corpo para estar imóvel. Com o apoio dos bombeiros (também sempre dispostos a ajudar), que entraram na água com o uso de roupas de neoprene devido ao frio que fazia, retiramos o corpo da água. Nada havia preso em seu corpo, talvez o próprio peso o tenha segurado, com os pés arrastando na areia. Já na areia, encontramos dentro de sua cueca a carteira que o identificaria. Era mesmo o militar. Não havia nenhum sinal de violência no corpo, só estava com o rosto inchado, acredito devido à submersão na água por um longo período. Chamamos o IML para retirada do corpo e melhor análise da causa da morte, pois não podemos descartar nenhuma possibilidade. Existem duas versões, uma de que ele teria brigado e fugido para o meio da lagoa; a outra é que teria, após influência de pessoas que estavam com ele (talvez um “duvido que você saia nadando agora”), se atirado na água, se enroscado nas linhas de pesca que existem e morrido afogado. 

Tentarei saber o resultado do caso, embora seja outra delegacia que irá investigá-lo. Ah, lembrei do caso da mulher que havia sido encontrada no mato sem um braço e sem o rosto. Segundo informações, tanto o corte do membro, quanto o escalpo, foram feitos por ação humana. (Como pode alguém que se autodenomina humano ter a coragem para realizar tal barbaridade? A Delegacia responsável continua com as investigações).

Levado o corpo (dei uma breve entrevista à imprensa local) e retornamos à Delegacia. Despachei as ocorrências que ficaram pendentes do plantão anterior.

Mais tarde a BM trouxe para nós um caso de abigeato combinado com agressão familiar (abigeato, aqui no Rio Grande do Sul é o crime que envolve animais, geralmente o furto de gado para abate e posterior venda da carne). Segundo contaram, mataram a vaca – que estava prenha – com um choque utilizando um fio desencapado que se encontrava no local, cortaram o animal em pedaços e dividiram entre os três que realizaram o “serviço”. A mulher de um deles não compactuou com o fato e reclamou. Resultado: um soco no olho que a deixou sem enxergar tamanho o inchaço. Foram acionados os policiais militares e trazidas as partes para que fosse analisado o caso. Quanto ao abigeato, apesar das evidências, não foi possível ser feito o flagrante, já que o crime ocorreu na noite de ontem, mas quanto à agressão sim o encaminhamos ao presídio.

A mulher já tinha outras ocorrências contra a mesma pessoa, mas ela mesma permitia o convívio. Viver em um ambiente agressivo não é vida para ninguém, podem dizer que não existe opção, que algumas pessoas não têm escolha, mas acredito que existe sim um caminho! Basta correr atrás dele. Muitas vezes as pessoas se submetem a tratamentos que se estivessem analisando de fora achariam um absurdo, seja porque a pessoa traz o dinheiro para casa, seja porque acham que é o amor da vida, ou simplesmente por comodidade. A vida é uma só, e temos que vivê-la intensamente, não deixar que ninguém nos coloque para baixo nunca! Cada um é senhor do seu destino. Gostaria que algumas pessoas tivessem mais atitude em certas ocasiões.

Após isso, consegui ler alguns artigos doutrinários que estava postergando faz tempo, tentando me atualizar nos mais diversos posicionamentos a respeito das mais variadas leis que possuímos em nosso ordenamento jurídico. Esse sim é um trabalho demorado, mas que sinto um grande prazer em fazer, sobretudo por exigir não apenas a capacidade física que a profissão pede, mas principalmente a parte intelectual. Somos operadores do direito, exercendo função essencial à Justiça, nossa carreira é jurídica, por isso a minha preocupação em sempre saber o que se passa no mundo legal.

Ainda na minha sala lendo os materiais, fui avisado de duas ocorrências de embriaguez ao volante. Em uma delas nada de grave ocorreu, somente que o bêbado chocou-se contra a viatura dos agentes de trânsito. Mas no caso seguinte, houve uma colisão envolvendo dois carros e uma moto. O motoqueiro levou a pior, pois segundo notícias recebidas, está no hospital correndo o risco de ter amputada a perna e o braço. Bebida e direção é um assunto muito sério! A gente só pensa nisso quando algum parente ou amigo próximo sofre com essa prática. Infelizmente a nossa lei dificultou o trabalho da polícia, já que exige que seja comprovado o teor alcoólico no sangue do motorista. Ao mesmo tempo, existe um princípio do direito em que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Assim, ficamos de mãos atadas, pois para fazer o flagrante, precisamos da prova da materialidade, ou seja, da quantidade de álcool no sangue no condutor, mas não podemos obrigá-lo a fornecer materiais que comprovem tal situação. A sociedade e nós mesmos nos cobramos uma ação mais enérgica, porém, infelizmente, esbarramos na lei que juramos defender.

Algo de diferente deveria ser feito a respeito. A minha proposta não é nem usar o direito penal para coibir ações desse tipo; acho que poderia haver uma sanção administrativa que previsse o confisco do veículo em casos de comprovada embriaguez a ser atestada após exames clínicos, por um médico conveniado do Estado. Exames clínicos (que não dependam de ação positiva do acusado). Algumas pessoas não pensam na liberdade que podem perder, e muitas acreditam na impunidade com relação às prisões, mas quando mexemos no bolso, tudo muda de figura. Acredito que não teríamos essa infinidade de motoristas embriagados se toda vez que fossem pegos nessa situação perdessem o carro que estivessem dirigindo. Não precisamos de prisão, e sim de conscientização.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Oração do plantonista


Hoje me lembrei da oração que criei para incentivar meus policiais a acreditar que teremos, sempre que pensarmos positivo, um plantão sossegado. Nós costumávamos brincar entre nós que nada aconteceria de grave, pois havíamos feito a oração do plantonista. Mas na verdade essa oração não existia, então resolvi criá-la. Espero que gostem.

ORAÇÃO DO PLANTONISTA

Meu senhor e meu Deus, sou plantonista e meu dia vai ser muito longo. Por isso, peço que não seja apresentado na delegacia nenhum conduzido, seja pela Brigada Militar, pela PRF ou pela Guarda Municipal. Peço que ninguém venha aqui reclamar a perda de um documento. Que nenhuma mulher venha chorar a agressão pelo companheiro, ou alguém de seu relacionamento. Peço que pouco toque o telefone, e que não fiquem buzinando para que eu abra o portão da garagem. Peço que o ar-condicionado esteja funcionando, e que as pessoas que eu for atender estejam de bom humor (embora seja difícil esse meu pedido, já que ninguém chega aqui para contar um dia feliz).

Entretanto Senhor, apesar de desejar um dia tranquilo, se algo acontecer, se precisarem de mim:

Que eu tenha paciência para saber ouvir. Que eu atenda ao próximo como eu atenderia à minha mãe, ao meu pai ou ao meu irmão. Que eu saiba tratá-lo como eu gostaria de ser tratado, não importa se sóbrio, bêbado ou machucado. Que eu faça a coisa certa!

Que eu me pergunte: se eu estivesse prestes a dar uma entrevista sobre o meu atendimento, se eu ficaria orgulhoso ou envergonhado da minha atitude? E que a resposta seja sempre o orgulho; e que eu nunca falhe nesse teste.

Que eu tenha compaixão daquele que eu estiver atendendo, sabendo verificar suas necessidades, e que possa atendê-las da melhor maneira. Que eu consiga lavrar um auto de prisão em flagrante em pouco tempo, para que logo seja o preso conduzido ao seu devido lugar. Que não haja violência no meu plantão, mas que eu saiba agir se estritamente necessário. Que meu trabalho não seja meramente reproduzir o que estarei ouvindo, mas que eu me interesse por cada um dos casos a mim apresentados. Que eu faça um trabalho de ponta, melhor do que esperam que eu faça.

Afinal, a Polícia Civil também é minha e o meu serviço repercutirá por muito e muito tempo. Que eu tenha consciência de que posso fazer a diferença.

Se precisarem de um registrador de ocorrências, serei o melhor que possa ser; se precisarem de uma escolta, serei o melhor; se precisarem de um atendente de telefone, serei o melhor; se precisarem de um porteiro, serei o melhor; enfim, se precisarem de um amigo, serei o melhor.

Obrigado meu Deus, por me dar essa oportunidade de trabalhar com as vítimas da sociedade, pois assim sei que meus esforços nunca terão sido em vão.

Amém.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sexta, 05.08.11 - Menores extorquindo família de empresário desaparecido

Mais um plantãozinho começou como todos os outros, com despacho de ocorrências que ficaram pendentes dos plantões anteriores ou que foram registradas no dia antecedente. Não havia muita coisa, por isso, em no máximo 40 minutos, consegui dar conta da papelada toda dando prosseguimento aos trâmites administrativos e investigativos. Executada essa tarefa, tive outra reunião com uma publicitária para definir novos projetos, já que o nosso anterior foi recusado pela pessoa que nos ajudaria.

Segundo me contou, alguém da empresa não quis ter o nome ligado ao da instituição por achar que seria negativo à sua imagem. Achei um absurdo! Por mais que tenha havido qualquer história de um possível abuso por parte de policiais ou por notícias na mídia sobre corrupção, esses maus policiais foram, na medida do possível, afastados de suas funções. Não há como generalizar achando que toda a instituição é daquela forma. Agora que estou dentro da estrutura, posso afirmar categoricamente que a minoria apresenta algum problema ético (e estes problemas estão sendo resolvidos). Eu não sou corrupto nem violento, os policiais que comigo trabalham não são corruptos ou mesmo violentos. Só aí são ao menos 40 pessoas honestas, que ganham um salário muito pequeno para a responsabilidade que carregam, mas que continuam nessa luta por um ideal, porque acreditam que podem mudar o mundo (ainda que um pouquinho dele) para melhor. Enfim, perdido o contato com referida empresa, traçamos novas metas a serem alcançadas: não é no primeiro tombo que vamos permanecer caídos. Cair é fácil, agora levantar-se com dignidade e com mais força do que anteriormente é o verdadeiro desafio. E certamente o venceremos.

Acreditando que conseguiremos levar adiante nossos projetos, já chamei uma empresa de segurança privada para instalar câmeras de vigilância com captação de áudio e gravação de ao menos uma semana de sons imagens e cercas de arame farpado em nosso perímetro. Justamente por sermos a Polícia temos que mostrar que a segurança é o nosso forte, não podemos deixar o tempo passar e ficar desguarnecido acreditando que os tipos de crimes são os mesmo de muitos anos atrás. O mundo evolui e assim também deve ser com os órgãos de segurança pública.

Terminado o contato com o empresário, me desloquei a outra Delegacia para comprar materiais para uso em serviço: coldre para uso durante o verão, que se ajusta na barriga e fica praticamente imperceptível, podendo ser usado com bermuda ou calça de abrigo sem problemas – a pistola tem um peso considerável e ajustá-la para um melhor uso sem que ela esteja visível é um bom desafio –, jaqueta impermeável dupla face – para os momentos de operações ou simples rotina diária – e kit para limpeza da arma – ao menos a cada 90 dias devemos limpar o nosso instrumento de trabalho, para que na hora em que precisarmos dele, tenha um pronto emprego e de modo eficaz (ninguém quer apontar a arma, precisar atirar e no meio do procedimento ela vir a falhar).

Feitas as compras, apesar de ter ficado com vontade de levar a loja inteira, me contive e fui à Central de TCs. O caso mais interessante que tive que decidir foi sobre a devolução de um colete a prova de balas e de uma máquina de choque. Como o peticionante é guarda em uma empresa privada, entendi por bem em devolver o colete, sobretudo por não haver óbice legal e também por ser imprescindível à sua segurança pessoal, mas com relação à arma de choque, por ele ter usado ela contra uma pessoa de bem, resolvi permanecer com ela apreendida, já que foi o objeto do crime de lesão corporal pelo qual responde o guarda.

Também discuti brevemente com uma mãe que foi junto com o filho pedir a liberação de um veículo apreendido por suspeita de tráfico de drogas. Ela veio toda indignada questionar porque o filho responderia a um processo criminal se só estava na posse de pouca quantidade de drogas. Perguntou-me se era crime ser usuário. A essa altura do campeonato, uma pessoa aparentemente esclarecida fazer uma pergunta dessas só pode ser provocação. É por isso que algumas pessoas não se endireitam nunca, em vez de a mãe brigar com o filho pelo uso das drogas, em vez de demonstrar preocupação, não, resolveu colocar a culpa na Polícia que o deteve com a maconha. Prevejo um futuro brilhante para o pobre mimado. Mais uma vez ressalto, as drogas só levam à derrotas!

Além desses casos, levei vinho para presentear a equipe que alcançou uma meta que havíamos delimitado. Como não posso incentivar a produção através de dinheiro, mas apenas com descansos (ou no máximo com horas extras no caso de terem trabalhado mais horas do que as previstas semanalmente), resolvi fazer uma brincadeira entregando vinhos para todos da equipe. Quero que além do trabalho, tenham os meus policiais um momento de descontração com a família, com as esposas ou maridos (quero algo que saia da rotina deles, algo que ninguém tenha ousado fazer antes). Isso surtiu um efeito muito bacana, porque conseguimos aumentar as nossas produções e ainda por cima nos tornamos mais amigos. E ao menos no ego, no prazer de bem executar o trabalho que foi proposto, eles ganham muito bem. Foi uma inovação que achei bem salutar e pretendo manter (só tenho que mudar o prêmio porque a equipe aumentou e se eu for pagar vinho para todos agora vou à falência).

Retornei à minha Delegacia e aproveitei o quase fim de expediente de sexta-feira em todas as empresas e telefonei para agendar reuniões com outros representantes comerciais, para dar prosseguimento ao meu projeto de levantar a Delegacia com o apoio da comunidade.

De trabalho tive que decidir ao mesmo tempo (isso mesmo, a manhã e tarde não tiveram absolutamente nada de grave, mas no começo da noite foram 3 casos simultâneos). O primeiro sobre uma apreensão de 2 adolescentes. Dizemos apreensão porque legalmente não se pode prender um menor de 18 anos por ser ele um inimputável, logo fala-se em apreensão. Eles estavam extorquindo a família de um empresário local exigindo que fosse paga uma determinada quantia em dinheiro em troca de informações de onde estaria o senhor desaparecido há pelo menos uma semana. A Polícia agiu rápido e interveio nas negociações, momento em que obtiveram êxito em deter os acusados, que foram encaminhados ao “presídio”. Não sabemos se estavam blefando ou não (o que mais nos intrigou foi que com eles estava o chip do celular do sumido). As investigações continuarão.

Também resolvi autuar um traficante de drogas que foi pego com algumas pedras de crack (segundo caso). Segundo informação levantada pela Polícia Civil, o local onde estava é conhecido ponto de venda de drogas, tanto é assim que a irmã desse traficante de hoje foi presa no mesmo local, executando a mesma tarefa, há uma semana. Com a prisão dessa, o irmão assumiu o comando da operação (que durou pouco tempo, haja vista ter sido ele preso hoje). Em tese houve a continuação do comércio de entorpecentes que a irmã fazia, fato confirmado inclusive por familiares. Foi mais uma vitória contra esse crime infinito.

Outro caso foi um roubo a pedestre com o uso de uma moto de apoio (terceiro caso). Os ladrões chegam de moto e aproximam-se da vitima para subtrair algum objeto. Em tese queriam praticar o crime de furto, pois não usariam violência ou grave ameaça, mas como a vitima resistiu à ação e houve posterior emprego de violência para a obtenção do bem, esse ato denomina-se roubo impróprio. Apenas o carona que estava tentando levar a bolsa foi preso, mas pelo menos a dupla foi desconstituída momentaneamente. Agora a Delegacia Especializada em Roubos vai investigar na busca do comparsa!

No fim da noite (ou começo para aqueles que saem para as festas), houve um acidente envolvendo 2 veículos que capotaram tamanha a velocidade que imprimiam. Resultado: seis feridos, por sorte nenhum com gravidade. Simples registro da ocorrência e carros guinchados para o depósito, pois não possuíam condições de trafegabilidade.

Por fim, mais um caso envolvendo a famosa lei Maria da Penha. O filho com problemas psicológicos tentou agredir a mãe com um bastão. Conversamos com ele para saber suas intenções, mas ele exalava um cheiro de álcool que era difícil de conversar próximo. Após breves duras palavras, logo conseguimos ver o arrependimento em seus olhos (começou a chorar). Esse criminoso não tem a sua personalidade voltada à prática de crimes, é um criminoso eventual, que já sofreu muito na vida (apresentava um rosto sofrido, judiado, cansado) e que um dia perdeu a cabeça por um motivo banal. Felizmente ninguém ficou ferido do fato e ele se dirigiu à casa das próprias filhas, deixando a mãe em paz (pelo menos por hoje). Lamentavelmente são apresentadas pessoas que deveriam ter um melhor acompanhamento estatal, sobretudo psicológico, mas que por falta de estrutura são deixadas ao léu, abandonadas à própria sorte (e sorte eles têm pouca, porque fatalmente acabam voltando aqui). Nunca desistam de seus familiares, apoiem, incentivem, acompanhem.

Assim espero ter terminado o plantão. Mais uma vez bem agitado, porém bem sucedido. Vou postar antes do fim porque a canseira bateu. Caso algo aconteça, publico na próxima edição.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Segunda, 01.08.11 - visita do amigo de SP

Acordei muito bem e disposto para trabalhar. Nessa segunda eu realmente estava empolgado em fazer alguma coisa de diferente que mudasse a rotina da delegacia. Pretendia ao menos concretizar uma de minhas muitas ideias sobre como fazer as coisas de uma maneira diferente, de um modo melhor. Então resolvi tratar da publicidade na DPPA (história que contarei logo a seguir).

Antes tratei de fazer o meu caminho tradicional. Despachei as ocorrências que haviam sido registradas no final de semana. Não haviam muitas, talvez umas 20 ou 25. Essa tarefa eu demoro em média uma hora e meia para fazer, talvez um pouco menos. Nada de grave ou esdrúxulo a ser contado, portanto passemos essa fase.
Quanto às minhas decisões, tive que decidir os seguintes casos:
Um rapaz que se aproximou da mãe e da irmã para supostamente visitar seus filhos. Mentira dele, pois aparentava estar um pouco drogado ou bêbado. Queria na verdade importuná-las mais do que o faz usualmente (possui inclusive medida protetiva de não aproximação das duas). Como não houve agressão ou mesmo ameaça, resolvi que não deveria encaminhá-lo para o presídio por esse motivo tão banal. Ele responderá pelos seus atos, isso sim, mas não precisa estar preso por isso.
Ao mesmo tempo em que escutava a narrativa acima, a BM apresentou um suposto traficante de drogas que possuía 2 papelotes de cocaína e R$ 90,00 no bolso. O pegaram dentro de sua residência ainda perto das 8:00 hs (detalhe, ele deveria estar de volta no presídio às 9:00, pois cumpre regime semiaberto). Apesar do possível descumprimento da pena imposta, entendi que não era caso de autuá-lo por tráfico, já que ele nunca teve envolvimento anterior com drogas e pela quantidade e circunstâncias em que foram encontradas as drogas com ele. Sobre o dinheiro, ele me contou uma história muito mal contada, dizendo que havia pegado emprestado com um amigo. Na verdade suspeitamos que ele tenha feito algum roubo a pedestre durante o fim de semana em que ficou fora do presídio.
Essas saídas são muito importantes para a ressocialização do preso, mas devem ser concedidas somente após muita atenção por parte do juiz responsável por concedê-la (e para isso deve haver uma grande colaboração de toda uma comissão multidisciplinar, que aponte ao magistrado a possibilidade ou não da soltura temporária). Não há como se culpar o juiz por cumprir a lei, ele deve ter base para decidir e é aí que deveria entrar o trabalho de toda uma equipe. Coisa que infelizmente nem sempre acontece. Pessoas sem a menor capacidade de serem soltas acabam saindo e outras que poderiam ganhar as ruas permanecem presas. Há muito que ser revisto no nosso sistema carcerário de uma maneira geral, porém isso é assunto para outro dia, não quero me estender muito.
Por ser começo de mês, após decidir essas pendengas fático-jurídicas, tive que estabelecer qual seria a escala de plantão de todo o mês de agosto. Com os pedidos de férias, licenças saúde e prêmio, trocas de equipe, policiais no expediente (que trabalham as normais 8 horas diárias), bem como retorno de alguns servidores, tive um pouco de dor de cabeça para decidir quem seria de uma equipe e quem seria de outra. Infelizmente não conseguimos agradar 100% a todos, mas para que dê certo conto com o apoio de todos os meus funcionários, sempre atenciosos e dispostos a colaborar por uma delegacia melhor. Acreditem, em 9 meses de trabalho, não precisei punir ninguém, e espero que as coisas continuem assim. Gosto de todos aqui dentro. Importante saber que cada ser humano ter suas manias e modo de vida. Respeitar cada uma dessas individualidades, não obrigar que pensem somente como você quer é o primeiro passo para se dar bem na administração de pessoas. Claro que podem haver abusos, mas os próprios companheiros tratam de alertar a pessoa que pretende sair da linha. Assim, o controle é de cada um, nisso não tenho do que reclamar. Ufa! Liga daqui, conversa dali: tudo acertado! As equipes continuarão funcionando por mais um mês. Em setembro tem mais, só que me preocuparei quando chegar a hora, nada de se estressar antecipadamente (há algumas coisas que se resolvem sozinhas, basta acreditar).
Fui à central de TCs e despachei o que faltava (pouca coisa, já que quinta e sexta passada estive lá trabalhando). Levei um amigo para conhecer a rotina. Ele foi só olhos e ouvidos, tentando captar cada detalhe que acontecia. Enquanto despachava as ocorrências, ele se divertiu com as histórias que dois policiais das antigas contavam para ele. E eu só ouvia também, tentando aprender o que tivesse de bom para aprender. Temos que selecionar tudo o que ouvimos e captar as boas mensagens – há muita informação ao mesmo tempo no ar, aprender a filtrá-las é uma arte.
Feito o trabalho, voltei à minha delegacia para apresentar a estrutura ao amigo. Ele ficou bastante impressionado, pois nunca havia entrado em uma delegacia antes. E fui narrando alguns momentos que vivi ali, em cada canto, em cada espaço da delegacia. Mostrei a garagem onde ficam as viaturas, o xadrez, o local de registros de ocorrências e a nossa cozinha, banheiro e quarto dos agentes.
Continuando a caminhada, já no gabinete, recebi uma publicitária, pois pretendo fazer uma pesquisa de opinião com o público que atendemos. Recebi vários modelos de folders e tive que decidir pelo que melhor se moldava à proposta que quero implementar. Recebi algumas críticas: “Delegado, a gente vai ter que ouvir muita besteira com isso aí”. Mas não tenho medo de críticas, elas só me fortalecem, ainda mais se forem construtivas. Espero poder melhorar assim o nosso atendimento, já que milhares de pessoas aqui passam por ano.
Jantei e logo retornei ao trabalho, tinha algumas poucas coisas ainda pendentes e queria terminá-las para entregar o plantão ao próximo delegado sem nada a fazer. Ainda ouvi algumas histórias/casos antes de terminar a noite. Um homem que havia agredido a ex-esposa por um desacerto sobre a guarda da criança na hora em que esta seria devolvida à mãe; e uma adolescente que estava sob a guarda da avó, pois a mãe a havia perdido e o Conselho Tutelar entendido que seria melhor que ficasse com a senhora, porém o namorado da avó a agredia, então, temporariamente ela voltou à convivência com a mãe. Imaginem o que é isso na cabeça de uma pessoa de apenas 13 anos de idade. Isso me entristeceu. A família é a primeira forma de controle social, e quando ela falha, dificilmente os outros meios serão capazes de endireitar a sofrida pessoa.
Terminadas as atividades, aproveitei para conhecer melhor um policial que se apresentou na delegacia nos últimos dias, gosto sempre de ouvir suas historias pessoais, suas fraquezas, suas virtudes, assim sou capaz de melhor decidir sobre qualquer assunto relacionado a cada um quando me pedem algum auxílio. Trabalhar com pessoas é ao mesmo tempo muito difícil, mas prazeroso também. A satisfação de ouvir os contos de seus familiares, coisas que vão além do trabalho, mostrar essa confiança a eles é impagável. Também vibrei ao saber que outro funcionário vai ser pai. Fui dormir feliz ao ver aquele sorriso no rosto dele.
O dia é assim, decisões jurídicas, administrativas e pessoais à flor da pele. O amigo visitante ficou impressionado! E é justamente isso que fascina nesse trabalho. Não tenho como levar o problema para casa e pensar em uma solução melhor. Acontece aqui e agora e eu tenho o poder de decidir o futuro de certas pessoas. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades: e eu gosto delas.