segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Domingo, 27.11.11 - Fraude no vestibular, tentativa.

Ah domingo! Esse é o melhor dia da semana para se trabalhar, justamente porque as ocorrências diminuem e podemos atender de forma mais pormenorizada o que nos é apresentado. Mas para burlar todos os prognósticos, esse foi um domingo especial e diferente. As 24 horas do plantão podem ser condensadas somente dentro do período da manhã, tamanhas as complexidades dos casos apresentados.

Tudo começou quando a Polícia Militar apresentou nesta Delegacia duas pessoas por estarem dentro de uma casa e uma delas ainda por cima portando uma arma calibre 22. Segundo foi apurado, a casa havia sido furtada outras duas vezes em dias anteriores e o proprietário teria contratado uma empresa de vigilantes para que cuidassem de sua residência. E assim foi feito, com um revezamento dos vigilantes todos os dias até que o dono conseguisse um caminhão de mudança para tirar os objetos deixados no velho casebre. A Brigada, que não sabia desse acordo comercial, passou a monitorar a casa, a fim de impedir  que novos furtos ocorressem e quando os vigilantes iam fazer a troca, entenderam que estavam entrando na casa para levar alguns outros objetos. Resolveram então ingressar no recinto. Logo de cara se depararam com um dos suspeitos portando um arma (a qual deixou cair ao solo ao perceber que a Polícia estava entrando no lugar) e fizeram sua prisão em flagrante. A versão contada aqui era de que o vigilante acreditava que fossem os ladrões retornando para buscar mais coisas a serem levadas, e por isso saiu com a arma em punho, justamente para afugentá-los. Como não tinha a permissão para portar a arma, um deles foi autuado em flagrante, porém devido ao baixo calibre e por ter a numeração legível, pude arbitrar uma fiança a ele.

Ele pensou que estaria fazendo um bem, servindo como segurança, e protegendo o patrimônio alheio, e realmente estava fazendo, entretanto não da maneira adequada. A arma não pode ser portada a não ser que a pessoa que esteja com ela seja habilitada para tanto e tenha permissão de porte, o que não era o caso. Por melhor que fosse a intenção do rapaz, estava errado a ter a arma consigo. Sei que nesses novos tempos o Estado não consegue estar presente em todas os lugares e situações ao mesmo tempo, mas não podemos perder as esperanças e partir para a autodefesa desarrazoada. Portar uma arma ilegalmente não é a melhor forma de solucionar conflitos, sobretudo pelas consequências que podem vir de um disparo impensado.

Logo após, outra pessoa armada foi encontrada nas ruas. Dessa vez estava pilotando uma moto, e ao abordarem-no e pedirem para que descesse, não resistiu e mostrou que possuia uma arma na cintura. Segundo contou, portava o ferro porque está ameaçado de morte, história que aparentemente condiz com a verdade, já que anos atrás brigou com um garoto e acabou esfanqueando-o, sofrendo anos depois um atentado, tendo recebido quatro tiros por parte do mesmo desafeto. Como sobreviveu, resolveu comprar uma arma para defender-se, mas acabou preso justamente por portá-la. Dessa vez não havia nada que pudesse ser feito, sequer uma fiança poderia ser arbitrada, já que o cano que estava com ele tinha a numeração raspada (quando isso acontece, pouco importa o calibre da arma de fogo, ela será equiparada a outra de uso restrito, o que traduz uma conduta mais grave do que estar com uma de uso permitido). Apesar de entender os motivos que o levaram a portar determinado armamento, a lei é clara em quantoà proibição dessa ação.

E um pouquinho mais tarde avaliei um caso que envolvia a fraude a vestibulares. Duas estudantes de Minas Gerais vieram para nossa cidade para prestar o vestibular de medicina em nome de outras meninas do interior de São Paulo. O curso de medicina é um dos mais concorridos do país, e algumas pessoas têm o sonho em tornarem-se médicas, entretanto, não querem passar por todas as etapas que envolvem essa conquista. Querem um atalho, e por que não através do esforço alheio? Assim, pediram a duas outras meninas que haviam sido aprovadas em vestibulares de medicina Brasil afora para passarem-se pelas pretendentes às vagas. Falsificaram identidades e entregaram-nas em perfeito estado para que ninguém percebesse a fraude. Porém, foi justamente a perfeição dos RGs que fez a fiscalização da prova desconfiar.  A data de expedição das carteiras e o estado perfeito delas eram incompatíveis. Perguntadas, uma delas confessou que estava fazendo a prova em nome de outra menina e que sua irmã também estava no esquema.

Assim, ambas foram trazidas à Delegacia. Uma delas é menor de idade, e teve que ser liberada, porque só pode ser apreendida se cometer crime violento ou que envolva grave ameaça (o que não era o caso). Mas sua irmã não teve a mesma sorte. Foi presa em flagrante pelo crime de uso de documento falso (com pena de 2 a 6 anos - mais grave que o porte de algumas armas). O pai das duas sabia de toda a falcatrua, mas nada pode fazer. Assistiu desolado à prisão de uma das filhas. Quanto à menina, ela aparentava não precisar do dinheiro que afirmou ganharia caso fosse aprovada. A família se hospedou em um dos melhores hotéis da cidade e as duas estavam muito bem vestidas. Algumas pessoas se aventuram por tão pouco, talvez no sentimento de que nada vai acontecer, baseadas na certeza da impunidade. Não dessa vez! Foi encaminhada ao presídio, onde passou a noite em uma das piores galerias, já que as mais tranquilas estavam lotadas.

Certamente a "pena" de ter dormido um dia na cadeia serviu como aprendizado de que o crime não compensa, independente de qual seja ele. O juiz acabou soltando-a no dia seguinte, com a condição de que não deixasse a cidade até janeiro do ano seguinte e que se apresentasse na Delegacia toda vez que um vestibular fosse prestado no Estado. Uma medida cautelar diversa da prisão que tem o efeito pedagógico muito eficiente.

Após registrado o fato e encaminhado a menina ao presídio, ainda tive que dar entrevistas para duas emissoras de tv, um jornal e uma rádio. Segundo me contaram, apareci no Fantástico, sob a narração da grande apresentadora do programa. Não consegui acompanhar porque ainda estava de plantão, preocupado em atender às mais diversas ocorrências que apareciam para nós.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Sexta, 25.11.11 - Roubar pra quê?

Dia 31 de outubro, aproximadamente 23:00 horas. Quatro pessoas saem de uma cidade vizinha com o intuito de praticar roubos a pedestres. Dois deles se armam de revólveres, o terceiro dará o apoio necessário e o quarto elemento ficará como motorista do grupo. Passam por um, por outro, até que escolhem a próxima vítima, um garoto de 16 anos. O motorista para o carro a uma quadra de distância e observa de longe a ação dos amigos. Aquele que está desarmado anuncia o assalto e segura a vítima pelas costas, enquanto os outros dois lhe apontam as armas. Porém, a vítima não aceita ser roubada, e inicia uma reação, principalmente contra aquele que lhe segurava pelas costas. Com isso, consegue se soltar, mas sem ficar realmente livre. Acreditou, em vão, que havia se desvencilhado da ação criminosa, porque instantes depois recebeu o primeiro tiro na barriga, que lhe perfurou órgãos vitais. Caído no chão, já agonizava quando recebeu outro disparo de arma vindo do segundo ladrão. Todos conseguiram entrar no carro e fugir. A vítima não morreu (e tomara que não aconteça), mas já faz um mês que está na UTI. E aqui vale de novo a lembrança: não resistir à ação depois que ela foi iniciada. É melhor perder os anéis e ficar com os dedos.
A Polícia não tinha nenhuma informação de quem poderia ter praticado tal fato, sequer qual a motivação. E iniciou as investigações. Com muito esforço, a Delegacia de repressão aos crimes contra crianças e adolescentes conseguiu descobrir quem seriam os criminosos. E no começo do meu plantão, haviam saído para cumprir os mandados de busca e apreensão e de prisão expedidos. Na operação foram presas cinco pessoas. Três delas por terem armas em seus poderes, seja em casa debaixo do colchão ou em cima do armário ou no carro debaixo do banco do carona. Ouvimos todos e quase ninguém contou o que tinha feito. Mentiras e mais mentiras, até que um deles, resolveu contar o que aconteceu.
Fiz a prisão em flagrante de todos os que tinham armas. E também fiz um pedido de prisão preventiva pela suspeita de terem participado do roubo quase seguido de morte acima referido. E fiquei muito feliz por ter conseguido. A correria foi grande, deixei de almoçar, e fiquei a tarde inteira nessa função, que foi coroada com a obtenção da ordem de prisão para mantê-los no presídio não apenas pelo porte das armas, mas também, e principalmente, pelo hediondo crime. Ocorre que, infelizmente, por uma falha de comunicação do fórum com o presídio, esse mandado de prisão não chegou a tempo de o presídio mantê-los presos, e somado a isso, ainda o juiz que estava de plantão entendeu por não conceder a prisão preventiva que havia pedido e liberar os anjinhos. Isso mesmo, após toda essa narrativa, eles acabaram soltos, porque para o entendimento do juiz, o simples ato de portar arma não é crime grave. Para mim existem casos e casos. Por exemplo, um segurança de supermercado armado oferece menos risco para a população de bem do que os três que sairam para roubar. Mas cada cabeça é uma sentença, e não temos o poder de controlar os entendimentos de todos, por mais que façamos esforço. Nos resta agora correr atrás de novo para trancafiá-los de novo, e espero que por muito tempo desta vez. Existem duas decisões, uma que mandou soltar e outra que manda prender, e a sorte dos criminosos é que a primeira chegou antes no presídio.
Depois dessa lamentável notícia, o show tinha que continuar. Fui com a Viatura da Volante para prestar apoio a um advogado conhecido nosso que nos ligou contando que o filho havia sido assaltado com o uso de uma faca. Todos entraram na viatura e passamos a percorrer os mais diversos e tortuosos caminhos, por bairros humildes da cidade, onde a vítima acreditava estariam os três elementos que lhe renderam e levaram sua mochila. Não foi dessa vez. Voltamos à Delegacia de mãos vazias, somente para fazer o registro do fato.
Tivemos ainda uma embriaguez ao volante, crime de baixa importância, se considerarmos os já citados hoje e também o que finalizaria o meu plantão, por isso deixo de contar os pormenores. O último crime que cuidamos foi também um roubo. Dois marginais entraram em um mercadinho e renderam o dono, pedindo dinheiro. Cansado de tanto ser roubado, o proprietário não acatou às imposições e resistiu. Então, os criminosos resolveram apontar a arma para a cabeça da filha de 10 anos do comerciante. Não vale a pena perder a vida ou ter a filha morta por causa de alguns objetos! Deixem que levem o que for, que a Polícia certamente os encontrará, cedo ou tarde. Por sorte foi cedo que eles foram encontrados.  Acabaram presos e confessaram o crime. Parecia que não tinham feito nada demais, não estavam nem um pouco alterados, já acostumados à vida que escolheram viver, de entra e sai da cadeia. Quando será que decidem que é hora de parar? Enquanto não se posicionam, vamos prendendo!

domingo, 27 de novembro de 2011

Terça, 20.11.11 - Drogas, um problema da família

Nossa! Como é corriqueiro o fato de começarmos ou terminarmos o plantão com um bêbado debruçado em nossa mesa. Dessa vez era um filho de um policial que havia se excedido um pouco na bebida. Foi pego na saída de uma festa de faculdade open bar, em um posto de controle da Polícia Rodoviária Federal. Não estava muito alterado, ainda assim ultrapassou o limite legal permitido. E foi altuado em flagrante (só ñão foi preso porque pagou a fiança). Essas festas open bar são o prenúncio da catátrofe. Será que alguém vai lá e não bebe uma gota de álcool? Não sou contra a tomar todas de vez em quando, só que temos que traçar rotas alternativas, como o uso do taxi ou mesmo os bons e velhos pais que estão em casa dormindo, loucos para participar de novo da vida dos filhos (ainda que seja para recolhê-los embrigados nas festas). Isso os fará reviver os tempos em que tinham algum controle sobre os filhos, os fará participar da nossa vida social, sem contar que terão a certeza de que estarão retornando para casa em segurança.

Por volta das 10:00 hs, recebi um pai preocupadíssimo com o desaparecimento da filha. Segundo contou, ela foi na mesma festa do rapaz que foi autuado acima e não voltou para casa. Provavelmente tenha saído para dormir com uma amiga ou quem sabe um amigo. O que importa é que essa presença desse pai (e da mãe que estava muito nervosa) apenas reforça a posição explicitada acima. Os pais querem sim saber o que seus filhos andam fazendo - pelo menos aqueles que se importam com os filhos que têm. Acabamos não registrando a ocorrência, dada a grande probabilidade de a menina aparecer em pouco tempo dando notícias. E de fato o pai não mais retornou durante o plantão. Sinal que alguém levou umas boas palmadas na bunda. Porém essa garota pode ver o quanto seus pais a querem bem e se procupam com ela. Se fossem outros tantos que aparecem por aqui, só perguntariam por ela na próxima semana.

E como estamos falando de família, não poderia deixar de faltar o famoso caso do filho drogado que se volta contra a própria mãe. Dessa vez o ex-cunhado dessa senhora entrou na casa e passou a ofendê-la, chamando-a de vagabunda e dizendo que ela precisava mesmo de um homem (olhem a contradição das palavra, se é vagabunda, por quê precisaria de um homem?) xingamentos sem nenhum fundamento, só para agredir a senhora que já sofre de bipolaridade e tem os dois filhos drogados. Certamente sua vida não é fácil com os problemas de drogadiçaõ internos e ter que aturar o mala do ex-cunhado (irmão do marido com quem ela se separou há mais de 15 anos) já é demais. Entretanto, ao invés do filho defender a mãe que estava sendo ofendida, se voltou contra ela, passando a agredi-la com tapas e ameaças. Atitudes sem cabimento e impensadas. Mais uma vez vale lembrar que a droga em geral é o mal do século passado e será deste também, porque as consequências que elas trazem são tão nefastas que somos incapazes de precisar. Afastem-se das drogas e levem os entes queridos junto. Essa luta não pode ser só dos órgãos de segurança, mas de todos, desde aquele pai que deixa o filho fumar maconha em casa até aquele que sequer sabe que o filho usa. A prevenção é o melhor remédio para tudo!

Ainda na questão das drogas. A Brigada Militar prendeu um senhor de uns 50 anos com grande quantidade de maconha em sua casa. Segundo denúncias anônimas, ele praticava o tráfico da erva há algum tempo, mas nunca tinha sido pego. Dessa vez estava com umas 250 gramas de cannabis e tinha acabado de vender para uma usuária. Acabou sendo preso por tráfico, não só pela venda, mas sim pela quantidade da droga encontrada em seu poder. Aqui faço um pequeno parênteses para a interpretação da lei de drogas. Não é só aquele que vende que pratica o crime de tráfico. O tipo penal prevê 18 verbos (Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente), ou seja, ainda que não realize a venda ou não vise ao lucro, o tráfico persiste. Com isso, a lkinha entre o usuário e o traficante passa a ser muito tênue e a diferença entre uma pena de advertência e outra de no mínimo 5 anos de prisão também. A simples alegação: "sou usuário" pode salver a pele algumas vezes, mas pode ser diferente em outras ocasiões dependendo da interpretação de quem analisa o caso. Aquele "simples" usuário não vai achar tanta graça no uso que faz da droga. A antiga campanha contra o vício deve estar sempre presente: drogas, nem morto.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Quinta, 15.11.11 - Gabinete de Gestão Integrada

Tudo começou com uma grande e clássica briga em família. A filha, usuária de crack, foi furtar objetos da casa da mãe e o padrasto, cansado da situação, impediu-a de fazê-lo. Nesse ato, acabou por empurrá-la. Nada lhe aconteceu, mas o seu namorado, também usuário da pedra foi tirar satisfações sobre o tratamento recebido pela amada em sua casa. E foi ameaça pra cá, ameaça para lá. Cada um contando uma versão dos fatos. A mãe disse que a filha lhe ameaça constantemente por causa da droga, já que secou a fonte de sustentação de seu vício. A filha se defende dizendo que na verdade a mãe que é traficante de drogas. E o jogo de empurra continua. Preferi acreditar na história da mãe. Sei que não devemos julgar as pessoas pela aparência, mas a magreza do casal que quis afrontar essa mãe era de assustar. Talvez se os usuários dessa pesada droga tivessem um espelho emcassa, resolveriam largá-la de uma vez por todas, porque não é nada bonito de se ver.

Feito o registro da ocorrência, as partes foram liberadas, dado que não havia violência na conduta de cada um e as ameaças dificilmente se concretizariam. Saí da DPPA e fui direto para uma reunião do Gabinete de Gestão Integrada, que reúne desde a Prefeitura Municipal, agentes de trânsito, bem como a Brigada Militar e a Polícia Civil. Lá comentamos a quantidade de homicídios que aconteceram na cidade (aproximadamente 50 até o momento) e tentamos traçar uma linha de combate a esse tipo de crime. Em verdade, no meu ponto de vista, não existe uma política de combate ao homicídio, existe sim um combate aos crimes que geram a maioria das mortes: o tráfico de drogas. O porte ou posse de arma de fogo também contribui para o aumento dos números. Constatei isso porque as estatísticas afirmam que as vítimas são em sua maioria homens brancos entre 18 e 40 anos, com passagem policial, principalmente envolvidos com drogas. A reunião foi conduzida pela Brigada Militar nesse primeiro encontro e nos próximos, seremos nós os responsáveis pelo levantamento das informações (mostraremos os andamentos inquéritos de homicídio e também as mortes decorrentes de acidentes de trânsito - que superam os crimes contra a vida). Agora um ponto positivo posso levantar: essas reuniões são muito salutares, e mostram que nós, as pessoas de bem, não estamos sozinhas nessa luta contra a criminalidade, e juntos podemos fazer um grande trabalho.

Saindo da reunião, fui verificar um caso de furto de tênis em loja, caso que normalmente não acaba em flagrante, devido à baixa lesividade da conduta. Entretanto, ao ser revistada, foi encontrado em seu corpo, outras peças de roupas de outras lojas. Assim, não me restou alternativa a não ser prendê-la em flagrante, não pelo ato isolado do furto, mas pela reiteração de condutas. Agora o que me deixa intrigado é a calma em ser presa. Parece que nada mais lhe atinge, a indiferença com que a própria pessoa trata o seu destino. Ao anunciar que seria recolhida ao presídio, nem uma mínima mudança no semblante, chegando a parecer que o direito penal perdeu a sua força coercitiva, que teremos que criar um direito novo para punir mais severamente algumas pessoas. A liberdade (bem mais do que valioso para a grande maioria das pessoas) já não vale mais quase nada para ela. Lá se juntará às colegas.

Também atendi a ocorrência de uma mulher tentando encontrar seu irmão desaparecido. O que constava no nosso sistema, ele já havia sumido outras vezes e encontrado posteriormente. É um cidadão do mundo (ou melhor, do Rio Grande do Sul, pois nunca saiu do Estado). Fomos parcialmente bem sucedidos: encontramos um endereço que ele indicou no começo do ano. Espero que consiga encontrar o ente querido, ainda que para um breve abraço, presumindo-se que a tendência é que ele desapareça de novo.

Outro caso em que registrei a ocorrência foi o de uma menina que chegou como reosto todo cheio de unhadas. Segundo contou, possui um ex-namorado, com o qual ainda sai de vez em quando, e a atual namorada, não contente com a situação, sempre que aencontra, a agride. No dia de hoje, encontrou o casal tomando café e partiu para cima da concorrente e acabou acretando socos, unhadas e alguns puxões de cabelo na vítima que se apresentava para mim. E o bonitão o que fez se estava presente no momento das agressões? Simplesmente saiu de cena e foiem sua casa pegar as roupas da atual namorada para entregar a ela e terminar o namoro. Na verdade, para não se meter na briga, o covarde, em vez de tentar separá-las, já que era o pivô de todo o contratempo, simplesmente deixou o circo pegar fogo. As duas brigando pelo seu amor e ele nem ligando. Por isso sempre que chega alguma mulher vítima de violência, onde o homem é o centro de todo o furacão, digo e reafirmo, como diz o bom samba "tem que lutar, não se abater, só se entregar a quem te merecer". Na maioria das vezes quando ocorrem violências, esses homens não merecem essas mulheres (e vice-versa).

Por fim, um embrigado para encerrar com chave de ouro. O cara vem, bêbado, não reduz a velocidade na rotatória e bate em um poste com toda a família dentro do carro, inclusive um bebê, e ainda acha que tem razão. Aqui tentou se justificar que a culpa é da Prefeitura que fez as vias muito estreitas, quando na realidade, quem colocou toda a família em risco foi ele mesmo. Esse é o pior bêbado, o que não assume que errou, porque daqui a um par de dias estará dirigindo embrigado de novo, e da próxima vez talvez não seja o pste a vítima, mas outra pessoa, ou quem sabe um familiar. Será que vale a pena pagar para ver? Eu acho que não.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Quarta, 09.11.11 - Um tiro de sorte?

Após o dia de fúria do Policial Militar no plantão anterior, estava preparado para tudo o que pudesse acontecer. Desde um senhor idoso (com 69 anos) que brigou com a filha e esta, com receio de que algo pudesse lhe acontecer de pior, buscou a garrucha do pai e tentou jogá-la para o meio da rua, longe do alcance do velhinho. Na queda, a arma caiu de um jeito que ela acabou disparando e acertando a menina que havia atirado-a. Por sorte os ferimentos foram superficiais, e a munição era composta de vários chumbinhos, pois do contrário uma tragédia poderia ter ocorrido. Isso é que eu chamo de um tiro de sorte. Ou seja, no afã de não ser atingida, acabou por sê-la. A Brigada Militar foi acionada e trouxe a todas as partes até a Delegacia. Aqui houve a prisão em flagrante do senhor por não ter o registro atualizado da arma (mas ele pagou a fiança e foi liberado para responder em liberdade - sem a arma - é claro).

Até mesmo uma família de um famoso criminoso pedindo proteção por estar ameaçada de morte. Alguns dias atrás houve um atentado em frente ao presídio da cidade, e a vítima era um conhecido homicida da cidade, porém, não obtiveram êxito em seu intento. Quando ele voltava de uma saída temporária que lhe foi concedida, foi recebido a balas (de origem desconhecida). Não contentes com o deslinde da situação, mandaram um recado a este que deveria ter morrido: que sua família não descansaria mais em paz, pois os perseguiriam até matar um por um. Com medo, a família foi avisada, e como não tem nada com o submundo do crime, ficaram temerosos que alguma vingança pudesse acontecer realmente. Assim, vieram até a nossa Delegacia para pedir proteção policial (na verdade queriam uma segurança particular - que os acompanhassem onde quer que fossem). Expliquei que era impossível de cumprirmos essa vontade, principalmente pela falta de pessoal que assola praticamente todas as instituições de segurança pública no Brasil. Eles deixaram a DPPA um pouco descontentes, mas conscientes de que era mesmo impossível conceder a proteção que almejavam. (até dia 17.11.11, não tivemos notícia da morte de ninguém da família, o que nos leva a crer que a ameaça não irá se concretizar felizmente).

Após esse pedido um tanto difícil de ser atendido, recebemos uma ocorrência de furto de perfume em uma loja no centro da cidade. Um médico, sem nenhum antecedente, com 46 anos de idade, resolveu se aventurar furtando. Fiquei me perguntando o que ele queria com tal ação. Talvez se vingar do nosso sistema capitalista, talvez porque queria testar sua coragem, ou sem motivo nenhum, o que acredito ser o mais plausível. Quem em sã consciência, com todas as oportunidades em suas mãos, com uma vida estabilizada, se aventura para levar um mero perfume de uma loja? Aqui estava absolutamente cabisbaixo, murcho, parecendo uma criança que tinha feito algo errado. Aparentemente estava arrependido. E não só por isso, mas pelo histórico limpo e também pela pequenez do bem furtado, acabei liberando-o para responder ao processo em liberdade. Onde esse mundo vai parar com um médico fazendo furtos de perfumes.

Ao mesmo tempo um senhor com bafo de cachaça estava sendo escoltado por ter invadido a antiga residência para ameaçar a ex-mulher. Narrou que tinha entrado lá para ver os filhos. Fazia tempo que não os via. Que exemplo de pai terão essas crianças se ele fica dias sem encontrá-las e quando decide por vê-las, vai embriagado? Como não houve violência (e o motivo era a princípio legítimo), ele acabou solto; com uma condição de só ver os filhos quando estes estiverem na creche, sob a supervisão de um responsável.

Pa! Pa! Pa! Pa! Foi a quantidade de tiros que o carro de um traficante levou antes que esse pudesse sair de seu interior e se esconder na mata, fugindo de uma tentativa de homicídio. O dia em que o caçador virou a caça. Ninguém foi preso, tampouco a suposta vítima dos disparos, porque nessa hora o melhor que têm a fazer é se esconder. Resultado: o carro foi apreendido para uma perícia posterior nos projéteis que estiverem em seu interior e possível comparação com outras munições que estajam alojadas nas pessoas que foram assassinadas recentemente.

Ainda recebemos uma família muito nervosa e apreensiva. Segundo narrou a caçula (de 12 anos), ela foi molestada sexualmente por um amigo familiar. Não houve conjunção carnal (penetração), mas as atitudes são equiparadas em hediondez. Beijou-a à força e pediu que agarrasse em seu órgão genital. Os pais quando souberam, por óbvio, ficaram revoltadíssimos e correram aqui para registrar o fato. Ninguém sabia onde estava o estuprador (por sorte dele, porque queriam linchá-lo caso o vissem). Fizemos o possível para o momento - madrugada - e colhemos o depoimento da menina para que ela não precisasse ser ouvida posteriormente sobre fato tão desagradável. A Delegacia da Criança e do Adolescente será a encarregada de continuar as investigações, e tomara que encontrem o acusado, porque a inocência de uma criança, uma vez violada, nunca mais é reestabelecida. Os danos psicológicos são muito duradouros e acompanharão essa menina por toda a vida, muito mais tempo do que sofrerá o estuprador caso seja preso e condenado. Infelizmente a "pena" dessa menina é perpétua.

E para finalizar a noite, recebemos um rapaz narrando que sua ex-namorada, não contente com a separação, foi tentar entrar em sua casa para conversarem. Só que ao invés de tentar pelas vias normais, ela, bêbada, procurou o mais difícil: pular as grades e lanças que gaurneciam o local. Não é preciso ser gêncio para adivinhar o que lhe aconteceu. Ela não conseguiu e fincou os braços nos espetos até que um pedaço de carne saísse de seu corpo. Imediatamente o rapaz foi acordado pelos gritos de dor e chamou a ambulância. Com a ex encaminhada, veio registrar o fato na Delegacia. Nossa diligente policial, foi verificar a procedência da informação, para ver se aquelas eram as lesões causadas. E para nossa surpresa, a moça não estava mais no hospital. Contrariando ordens médicas, fugiu do local sem receber alta, sabe-se quem para onde foi. Naquela noite ninguém mais apareceu por aqui, nem mesmo a fugitiva do hospital.

Ouvimos um barulho de portas sendo mexidas do lado de fora, saímos com atenção redobrada para ver do que se tratava. Eram apenas agentes de outra Delegacia se preparando para uma mega operação que seria iniciada ainda de madrugada. Tive tempo de assinar os autos de cumprimento de mandado de prisão de um assaltante que fora pego bem no início da manhã em decorrência da citada operação da Polícia Civil. Ele era um dos suspeitos de ter participado do assalto que culminou na morte de um policial civil em outra cidade do interior do Estado. Assim, fui para casa vibrante, ciente de ter cumprido o dever de platonista, mas exuberante por ver a Civil trabalhando com tanto afinco no encalço da vagabundagem.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sábado - 5.11.11 - O dia em que um Policial Militar perdeu a cabeça.

Uma grande operação havia acabado de acontecer na cidade. Brigada Militar e Polícia Civil, em conjunto, fizeram diversas batidas nos mais diferentes lugares, para acalmar a onda de violência que vivíamos nos últimos dias. A cada plantão, víamos os homicídios aumentarem, o que gerava uma sensação de insegurança e uma cobrança de atitude por parte da imprensa e da população,  consequentemente.

Assim assumi o plantão, com sete presos (por tráfico de drogas e furtos qualificados). Isso fez com que o final de semana inteiro fosse de uma calmaria ímpar. Apenas alguns casos - que não poderiam faltar, do contrário não teria o que contar aqui a você leitor - agitaram a nossa querida DPPA.

Um furto de carne de frango e de bebidas de uma festa de um CTG (Centro de Tradições Gaúchas) fez os organizadores perderem o sono. Logo porém, eles puderam descansar, já que foram encontrados os quitutes e a festa pode ter continuidade. Ninguém foi preso. As comidas estavam em uma casa abandonada próxima do galpão deles.

Em seguida atendemos uma senhora que queria uma coisa muito simples da Polícia. Ela foi até a Delegacia, para denunciar uma vizinha sua que juntava as fezes dos animais das redondezas e as colocava bem na divisa entre as calçadas de ambas. Disse que ela fazia aquilo para perturbar a tranquilidade simplesmente. Procedemos então ao registro da ocorrência para que fosse apurado se realmente existia essa perturbação, em um momento posterior. O que mais nos intrigou, entretanto, foi o simples fato de que a mulher não queria representar criminalmente (processar) a vizinha, queria sim que nós deslocássemos a viatura para lá para recolher as fezes - uma literal limpeza urbana. Simples assim. Vejam bem, a visão que certas pessoas têm da Polícia. Somos tão resolvedores de problemas que até nesses casos mais esdrúxulos nos clamam por uma solução. Óbvio que explicamos que essa função não é nossa, talvez da Prefeitura. Temos que gastar nosso tempo em ouvir esses tipos de histórias quando crimes mais graves estão acontecendo na cidade. Todos têm o direito de serem ouvidos, mas algumas vezes esse limite é extrapolado. Queria que as pessoas só viessem pedir nosso auxílio quando realmente necessitassem, assim teríamos que nos preocupar somente com as transgressões de relevância. Cuidar de casos de somenos importância só quando a Polícia estiver completamente aparelhada, com todo o quadro de funcionários preenchido (aí sim, nessa fase quase utópica para a Segurança Pública, é que poderíamos correr atrás dessas pequenices).

Superado o caso da coleta de cocô (que não fomos recolher, embora o registro tenha sido feito e encaminhado à Delegacia especializada em crimes contra a mulher), recebemos a Brigada Militar apresentando uma ocorrência de uma mulher que tinha apanhado do marido. Ele não foi preso e ela não pode ir à Delegacia porque estava no Pronto Socorro para cuidar dos ferimentos - já que a boca foi muito machucada e teve que esperar uma análise mais específica de um médico bucofacial. Esse caso sim nos dá vontade de trabalhar para chegar ao covarde agressor, ainda que mais tarde.

O único flagrante do fim de semana foi o de um furto de tapete de uma escola pública. O que? Só por causa de um tapete se prendeu alguém? Exatamente! Normalmente nesses casos, não prendemos em flagrante, não fosse a qualidade do nosso "cliente". Com o apelido de um super-herói (Homem Aranha), ele faz exatamente o contrário do que o homônimo das telas de cinema. Furta os mais diversos materiais. Como havia sido preso nos dias 5, 24 e 30 de outubro, além do dia 4 de novembro, quando retornou no meu plantão (5.11.11), não me restou opção senão o recolhimento ao presídio devido à persistência nessa vida criminosa. O tratamos com muito respeito, fomos até a casa de uma tia para buscar cobertores, sabonete e outros materiais de higiene, e ao mesmo tempo fazer a obrigatória comunicação a familiares que a lei exige. Ao chegar no presídio, o Aranha nos disse que nunca foi tão bem tratado. A Polícia está mudando, e acredito para melhor. Mostramos que uma vez detido, temos que ser profissionais. Humilhações ou agressões só serão usadas contra nós, seja no papel, seja moralmente. Prefiro dormir com a consciência tranquila de que o nosso trabalho foi executado com qualidade.

Mas o caso de maior repercussão ainda estava por vir. Um Policial Militar, conhecido por exagerar em suas abordagens (tanto que foi afastado do trabalho nas ruas) foi apresentado por ter baleado um rapaz. Me mostrou suas mãos sujas de sangue, com um corte que teria sido causado pela vítima da bala. Segundo narrou, estava em sua casa tomando uma cerveja quando surgiu o rapaz lhe ameaçando com uma faca e partindo para a agressão. Como só tinha a arma para defender-se, efetuou os disparos, sendo que um deles atingiu o agressor. Cessada discussão, a PM foi chamada, a vítima do tiro encaminhada ao Pronto Socorro, e o autor dos disparos apresentado na Delegacia. Como sei que ele é jurado (de morte) por muitas pessoas, acreditei em sua versão. Não o prendi em flagrante, mas apreendi seu revólver funcional, para evitar que maiores danos fossem causados e também para que uma perícia fosse feita na arma posteriormente. Pedi que ele não retornasse à casa, ao menos naquela noite. E o que ele fez? Isso! Voltou para casa. Lá viu que seu carro havia sido danificado. Transtornado, começou a perguntar quem teria feito aquilo, e saiu à caça, exercendo arbitrariamente as próprias razões (quis fazer justiça com as próprias mãos). Encontrando o suposto causador do dano, entraram em luta corporal e ele acabou por esfaqueá-lo. A facada pegou no braço, e esta outra vítima foi levada ao hospital também. Quando chegaram à Delegacia, apresentaram a ocorrência como sendo um dano ao patrimônio, e não me contaram a versão das lesões corporais. Tentei contato com o hospital para saber a gravidade das lesões. Sem sucesso. Assim, não consegui ter embasamento para fazer sua prisão em flagrante. A mim me restou apenas a paz no espírito de ter tirado a arma dele no momento certo, pois as consequências poderiam ter sido muito mais drásticas. Agora temos apenas que esperar para saber que fim vai levar essa vida desregrada e totalmente fora das atribuições que se espera de um policial. Tomara que sem mais feridos.

Um roubo a um taxista finalizou o meu plantão. Segundo a vítima, foi chamada por um casal e no momento em que chegou ao destino pedido, foi surpreendido pelo passageiro apontando-lhe uma arma e pedindo todo o dinheiro. Após essa abordagem, outro três que já esperavam a chegada do carro também entraram na ação, levando celulares e dinheiro. Cada foi para um lado e restou ao motorista chamar a PM. Conseguiram localizar próximo ao local um dos ladrões e outros menores com ele. Segundo o taxista, todos teriam participado da ação (fez o reconhecimento de todos os apresentados na Delegacia). Mas as palavras da vítima devem ser escutadas atentamente, uma vez algumas delas querem se vingar, serem ressarcidas de alguma maneira, e acabam por acusar injustamente os amigos, parentes e quem mais estiver próximo do verdadeiro autor do roubo. Ouvi vítima e todos os acusados. Para se ter uma ideia, mostramos os celulares à vítima e perguntamos quais eram os seus aparelhos. Ela separou o mais simples e falou que os outros quatro eram dela. Um a um fomos ligando e vendo se realmente lhe pertenciam. O primeiro tinha a inscrição "fulano gostoso" na tela. O tal fulano era um menor traficante da região. Esse não era de sua propriedade. O próximo tinha uma foto de um dos menores detidos com o cenário de uma tarde ensolarada. Esse tampouco era do taxista. E assim foi. Enfim, nenhum dos celulares era dele. Queria apenas ser ressarcido dos preuízos, "roubando" os celulares dos suspeitos. Da mesma forma foi com os detidos. Só um deles era o ladrão, os demais iriam cair de gaiato na história, só por mera vontade de ferrar os outros, de se vingar. A lição foi: sempre escutar todas as partes! Saí com o flagrante ainda em andamento, pois a noite tinha sido bem longa. Não aguentava mais ter que ouvir as tagarelices das partes envolvidas.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Sexta, 28.10.11 - De tudo em um só dia!!

Depois da calmaria do último plantão, já vim preparado para enfrentar o pior. Os Deuses Plantonistas podem até conceder um dia de folga, mas logo em seguida te cobram a moleza vivida. Paguei com muito cansaço e suor o dia de trabalho que passo a narrar. Algumas histórias serão contadas brevemente, para não estender demais esta narrativa.

O Sol começava a brilhar e já tinha gente tentando furtar um lava jato. A vítima percebeu a ação e gritou para que ele deixasse o bem no local, do contrário chamaria a polícia. Assustado, deixou o objeto para trás e fugiu em uma bicicleta, mas não para muito longe, já que na continuidade de seu trajeto, com o uso de uma machadinha, arrombou a porta de outra residência e lá dentro foi surpreendido pela Brigada Militar. Em sua defesa disse ser sobrinho do proprietário, porém, para azar seu, este apareceu e desmentiu a lorota. O primeiro flagrante do dia estava encaminhado.

Ainda pela manhã, dois indivíduos se aproximaram de um garoto e lhe pediram uns trocados. O menino ainda tentou ajudar, e lhes deu o dinheiro pedido, mas foi atacado logo após, quando lhe retiraram os óculos. E enquanto tentava se desvencilhar desse primeiro, o segundo retirou o celular de seu bolso e ganhou o mundo. Numa última tentativa desesperada, a vítima conseguiu reaver seus óculos. Seguiu à distância ambos, até o momento em que se separaram. Aproveitando que um deles estava sozinho, o garoto agarrou um pedaço de pau na rua e partiu para cima, agredindo-o e clamando por ajuda, pois tinha acabado de ser "roubado". Populares o ajudaram e ao menos este indivíduo foi preso. Na chegada à Delegacia, a imprensa já se fazia presente e concedi uma entrevista ao vivo na rádio local, expondo os fatos e contando o que havia sido feito a respeito.

Outro caso inusitado para os padrões da cidade foi o de um motociclista tocado por um veículo que perdeu a cabeça uns quarteirões mais adiante. Desceu da moto e com o capacete começou a quebrar o automóvel, como forma de protesto pelo fato de o motorista não ter parado para ver como ele estava. Por sorte foram contidos rapidamente e apenas danos materiais aconteceram.

A próxima prisão em flagrante foi um "furto mão grande" (nosso sistema operacional é muito antigo, e expressões como essas ainda fazem parte das tipificações que devemos fazer ao enquadrar o fato praticado pelo criminoso e o artigo da lei). Em síntese, o ladrão pegou a bolsa de uma menina, puxou-a e saiu correndo, rompendo a tira que a prendia ao corpo, não causando lesões e tampouco ameaçando-a (ficando desconfigurado um eventual roubo).

No início da noite, um roubo (com uso de faca). Até aí nada de diferente, parecia outro crime de roubo a pedestre, tão comum nos dias de hoje. Porém o caso apresentou uma particularidade muito interressante. A vítima foi ameaçada, e não reagiu um momento algum, entregando sua carteira. Quando o ladrão estava deixando o lugar, no momento em que se virava para ir embora, teve a sua carteira "furtada" pela própria vítima que havia acabado de fazer. Assim, no registro da ocorrência de roubo, apreendemos a carteira daquele que praticou o roubo. Um caso solucionado em tempo recorde.

Com todas as prisões acima, tivemos que levar os "clientes" ao presídio. No retorno, o caso mais engraçado da noite. Algumas vezes temos que rir para não chorar, e a paciência é a chave de tudo. Quem não está na rua trabalhando não sabe o que passam esses policiais que doam a vida para tornar as cidades mais seguras e tranquilas. Ainda na viatura, percebemos um carro popular fazer zigue zague, e quase chocar contra dois outros carros e um ônibus. Felizmente não houve nenhum acidente, mas continuamos atrás do carro para garantir que ninguém que fosse ultrapassá-lo fosse bater mais a frente. Logo percebemos que era um idoso no volante, então suspeitamos de que tivesse desmaiado, ou que tivesse passado mal. Assim, aceleramos a viatura e enconstamos no veículo para a abordagem. Todos os integrantes da Volante desceram (éramos três) e pedimos que o carro fosse parado. Um senhor completamente embriagado foi o que vimos. Perguntado se havia ingerido alguma bebida, ele contou que tomou todas (inclusive a saidera).

Pedimos o apoio da BM, já que não temos o bafômetro, a fim de conseguir criar provas da embriaguez e fazer a prisão em flagrante. Mas não foi possível medir o teor alcóolico. Em vez de assoprar, uma hora ele sugava, na outra assoprava pouco tempo e com nenhuma força, tamanha a quantidade de álcool ingerido. Teve um momento em que ele se desequilibrou e quase caiu, somente não acontecendo o fato porque eu o segurei, momento em que me disse: "não me segura que eu não gosto disso!".

Assim, encaminhamos o veículo e o bêbado para a Delegacia, com o intuito de fazer ao menos o registro da ocorrência. Lá, a novela continuou, e o idoso continuou brincando com a gente, fingindo que o que ele tinha feito não era grave, afirmando que so queria ir embora para casa. Enquanto dizia que não era possível que ele voltasse dirigindo, dadas as circunstâncias, ele ficava desafiando a minha autoridade: "quem pode garantir que estou bêbado?". Só quando disse que tinhamos filmagem com áudio do saguão da Delegacia com imagens dele contando que havia tomado todas é que ele se acalmou e tentou ir embora. Mas uma surpresa estava reservada a ele. Ao perder um pouco o equilíbrio, não tive tempo de segurá-lo. Em suma, uma dor de cabeça, uma multa pesada, um guincho e um cotovelo inchado serão as consequências desse irresponsável que poderia ter causado um acidente grave mais a frente, já que dirigia-se a uma movimentada avenida.

Ainda durante a pesquisa para descobrir parentes do velhinho, o sistema informatizado caiu e ficamos durante três horas sem poder registrar uma ocorrência sequer. Isso para uma sexta-feira a noite é um erro fatal! Várias guarnições se acumularam na fila de espera pelo atendimento, e nada poderíamos fazer.

Só às 3:00 horas da manhã tudo foi normalizado e começamos a registrar todos os fatos apresentados. Foram ainda mais três prisões em flagrante por embriaguez no volante, devido a uma operação para combater esse frequente crime de fim de semana (principalmente).

Mas ainda tínhamos tempo para prender em flagrante mais um delinquente por roubo com uso de uma faca de açougueiro. A tentativa dessa vez era levar uma bicicleta para vendê-la e usar o dinheiro para usar crack. O próprio bandido ficou feliz em ser enviado à prisão, na doce ilusão de que lá ele terá uma chance de se livrar das drogas (se fosse verdade, e eu pudesse salvar essas pobres almas usuárias de drogas, mandaria todas para o presídio). Na explicação de como teria agido, me contou que roubou a vítima porque era um antigo desafeto seu, como forma de vingança por uma surra anterior, mas o objetivo principal era a compra das drogas, por isso efetuamos sua prisão.

Uma menina foi apresentada como suspeita de praticar tráfico de drogas. Havia com ela 7 gramas de crack, em umas 10 pedras, e dois cachimbos, além de um caderno de anotações. Em um primeiro momento, quase fiz o flagrante, porém esperei para conhecer melhor a história e vi que se tratava de uma usuária. E se houvesse alguma venda das drogas, não estava completamente clara, por isso na dúvida não fiz a prisão, para que possa a Delegacia responsável investigar melhor o fato.

Com relação às drogas, ainda mais uma dupla tirou o meu sono. A DPPA estava tão cheia, os atendentes estavam todos ocupados, então resolvi eu mesmo registrar a ocorrência. Ambos usuários acabaram liberados, devido à pequena quantidade de cocaína encontrada com eles, muito embora irão responder pelo crime de posse.

E para finalizar a noite, já próximo das 5:00 horas da manhã, recebemos uma ligação do pronto socorro de que uma mulher teria dado entrada com um sangramento intenso devido a um estupro sofrido por um vizinho. Fomos até o hospital e ouvimos a versão dos fatos da vítima, para dar um primeiro atendimento a esse grave crime. Fiquei indignado com a violência praticada contra ela - foram necessárias 4 bolsas de sangue para repor o perdido durante a sangria sofrida. Um crime com tamanha crueldade merece uma reprimenda à altura! E nesse caso o estuprador é conhecido, o que facilita o nosso trabalho. Espero que a Delegacia do local consiga fazer um trabalho rápido para que não paire no ar a sensação de impunidade tão frequente atualmente.

Ahhhh! Só gritando mesmo para aguentar esse dia tão longo. Consegui fechar os olhos por apenas uma hora e poucos minutos até a merecida troca de plantão. Foi pesado, mas mais uma vez a sensação de ter cumprido todas as missões a mim passadas foi superior à canseira experimentada. 

Segunda, 24.10.11 - O agente funerário que cansou de viver.

Segunda-feira. O dia mais tumultuado em termos de números de ocorrências (principalmente pelas perdas de documentos ocorridas durante o final de semana), mas também aquele que geralmente apresenta uma noite calma e serena. Essa não foi diferente das outras que já enfrentamos. 

Um adolescente desacatando policiais militares na rua. Assim começou a nossa manhã de trabalho. Quatro pessoas estavam juntas durante a abordagem de rotina dos policiais, quando um deles resolveu desobedecer às ordens proferidas e lutar contra a ação. Foi contido e trazido para que fizéssemos o registro do crime de resistência. Após, foi liberado. Se desde adolescente já ocasiona problemas, não quero imaginar o que pode vir a se tornar no futuro - espero que uma pessoa de bem.

Voltei para o gabinete para despachar as ocorrências registradas na sexta, no sábado e no domingo, e quando terminei, ao tentar chegar em casa para almoçar, recebi um telefonema de que havia um corpo estendido no chão. Em tese, a morte não foi violenta, portanto nada de interesse policial em um primeiro momento, mas não deixamos nunca uma suspeita para trás. Trabalhamos com a certeza de que o crime não aconteceu. Vamos a todos os locais em que formos chamados, para atestar a veracidade dos fatos, sempre. E dessa vez, nenhum crime foi cometido. Estavam dois irmãos conversando e tomando chimarrão (depois de terem tomado altas doses de bebidas alcoólicas), quando um deles passou mal e caiu no chão - machucando levemente o rosto com a queda. O sobrevivente tentou reanimar o outro, não obtendo êxito. A ambulância foi chamada, porém já era tarde para qualquer tentativa de reanimação. Por haverem marcas de lesão no rosto, o médico preferiu não atestar a morte, e assim fomos chamados para que posteriormente fosse acionado o DML e uma necrópsia feita no corpo a fim de apurar as reais causas do incidente. A princípio deve ter ocorrido um AVC, dada a baixa idade do morto (32 anos) e um histórico de problemas com a pressão arterial.

Houve também cumprimentos de mandados de prisão expedidos pelo Poder Judiciário. Nesses casos nosso trabalho é simplificado: nos limitamos a registrar a ocorrência, obter cópia do mandado de prisão e encaminhar os presos à casa de detenção.

Ainda tive tempo de ajudar no registro de ocorrências, tendo em vista que nosso saguão estava lotado, devido ao grande movimento ocorrido durante todo o dia. Registrei ao todo dez ocorrências, mas apenas duas de relevância criminal. A primeira delas foi o caso de uma mulher que saia do centro espírita e no momento em que entrou no veículo, logo após fechar a porta, ouviu o anuncio do roubo: "baixa o vidro e entrega a bolsa!". Eram duas pessoas de bicicleta, uma delas portava arma de fogo e a outra apenas bloqueava a passagem do carro. O outro caso foi também crime da mesma natureza. O rapaz, após ter saído da empresa em que trabalha, enquanto aguardava o ônibus que o levaria a casa, foi surpreendido também por pessoas de bicicleta (mas agora eram três - incluindo uma menina). Um deles lhe apontou a arma e o outro lhe retirou a carteira do bolso, ficando a menina apenas na observação da ação. Em ambas as ocasiões, os bandidos foram bem sucedidos.

O crime de roubo é um crime gravíssimo, pois a linha que separa o simples ladrão daquele que mata pelo patrimônio alheio é muito tênue, apenas um simpes toque no gatilho (geralmente o dedo já fica pronto para disparar a arma, tornando os casos de morte cada vez mais corriqueiros). Até mesmo por um susto o assaltante acaba matando. Eles (os bandidos) na maior parte das vezes não têm nada a perder, e nós temos a vida, por isso, uma vez abordados, não devemos resistir jamais! O combate ao crime para quem não trabalha na área é meramente preventivo, se não foi possível evitar que a ação criminosa ocorresse, muito menores são as chances de desarmar o outro. Nessa hora o ideal é agir conforme as ordens recebidas, e se esquecer de todos os filmes hollywoodianos que já assistimos.

Por fim, um lamentável caso em que tivemos que dar assistência. Um ex-funcionário de agência funerária acabou se matando. Suicidou-se enforcado com um fio elétrico. Ou seja, aquele que tanto conviveu com a morte, que tanto ajudou pessoas nesse momento difícil da vida (a morte não deixa de ser uma das etapas da arte de viver), cansou de batalhar nesse mundo. Que descanse e obtenha a paz que aqui não soube encontrar.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Quinta, 20.10.11 - O som do apito abafado por tiros

Nada de grave ocorreu na cidade até aproximadamente dez horas da noite. Em verdade, despachei muitas e muitas ocorrências e pendências administrativas, li informativos e decisões da nossa divisão de assessoramento jurídico (que padroniza algumas interpretações que devemos dar sobre determinados assuntos). Conversei bastante com os agentes, ouvi opiniões e críticas sobre o serviço. Enfim, era o momento de botar o papo em dia, de saber quais os crimes haviam acontecido recentemente, quem seriam os suspeitos, etc. E quando o dia é tranquilo...

Passado o horário do jantar, tivemos que resolver algumas pendengas. A primeira delas foi um rapaz que foi abordado pela Brigada Militar com uma pequena quantidade de droga, e ao ser indagado, apontou quem seria o suspoto traficante. No momento em que este foi abordado, reagiu às ordens recebidas e partiu para a agressão sobre os policiais, que tiveram que usar a força para contê-lo. Em sua posse não haviam drogas, mas uma faca e um tchaco, o que preocupou os milicianos ao conterem-no. Aqui fizemos o registro de ocorrência apenas, pois lamentavelmente as penas para quem afronta as autoridades (desobediência e resistência) são extremamente baixas.

Algum tempo depois foi detido um conhecido furtador de aparelhos de som automotivos. A vítima recebeu uma ligação de um conhecido afirmando que alguém estaria mexendo em seu veículo. Ao averiguar a informação, se deparou com o acusado dentro de seu carro, praticamente saindo com o rádio na mão. Optou por evitar o confronto (decisão muito sábia), e apenas o seguiu, mantendo contato permanente com o 190 e visual do ladrão, indicando em quais ruas estava passando, contando as trocas de roupa feitas pelo acusado para não ser percebido - tamanho o "profissionalismo" dele. Em pouco tempo foi alcançado, já que nem suspeitava qe estava sendo seguido, e trazido à nossa Delegacia para que fosse registrado o fato. Embora tenha negado qualquer envolvimento no furto, os indícios eram muito fortes, sobretudo porque a vítima não desgrudou os olhos dele, não restando opção senão pela lavratura do auto de prisão em flagrante. Quanto aos danos, além de arrombar o veículo e estragar o painel, deixou o som cair no chão (e um carro passou por cima do bem, que ficou obviamente imprestável).

Com o flagrante em andamento, recebermos a notícia de, adivinhem: um corpo caído no chão. Iniciado o deslocamento para o local dos fatos, já entramos em contato com os nossos queridos parceiros do DML e da Perícia. A viatura do DML estava nas redondezas, e pode nos acompanhar durante todo o trajeto (por sorte da motorista, que contou não saberia chegar facilmente ao lugar do crime). A Brigada Militar guarnecia o corpo e isolava a cena de familiares e amigos, para que os peritos pudessem trabalhar com mais calma. Como estava coberto por um plástico, e precisávamos deixar que a perícia o examinasse primeiro, resolvemos colher informações com as testemunhas oculares (ou auriculares, já que algumas somente ouviram os disparos). Estavam todos chocados com as circunstâncias, pois o rapaz que morreu trabalhava como vigia noturno da rua, e segundo contaram, não fazia mal a ninguém.

Conversamos com cunhado, amigo, mãe, amigos e esposa. O primeiro nada sabia, aproximou-se mais de curiosidade, para saber se tínhamos alguma suspeita; o segundo contou que viu um rapaz de camiseta branca correr pela rua após a vítima ter dito que não era ela que tinha feito determinada coisa e ter sido alveada pelos disparos. A mãe pouco acrescentou para a investigação, a esposa também (ajudou somente quanto informou que um par de chinelos próximo ao corpo era do filho do morto, o que nos fez excluir esse bem como prova). Outros amigos vieram e contaram que pegaram a vítima no colo, tendo este o tempo apenas de exlar o último suspiro. Uma das testemunhas me levou a um lugar onde a bicicleta da vítima estava jogada (há cerca de três quadras). Na fuga, um dos assassinos correu a pé, e o outro pegou a "magrela". Cada um foi para um lado, ficando mais difícil desvendar o destino que tomaram. O que esteve com a bicicleta pedalou até que a corrente escapasse da coroa, momento em que descartou-a e prossegiu a fuga a pé.

Fizemos colheita de eventuais impressões digitais deixadas por aquele que usou o veículo movido a tração humana e cuidamos principalmente do corpo. Foram quatro tiros pelas costas. Antes dos estampidos, a vítima soou o apito uma última vez, mostrando que estava presente, realizando o seu trabalho. Uma clara execução. Aparentemente, todos os disparos transfixaram o, agora, defunto. Entretanto, conseguimos coletar no local dois projéteis que serão usados para posteriores comparações com armas apreendidas. Assim, as demais balas, ou ficaram nas vestes, ou dentro do corpo (trabalho extra para os olhos aguçados dos peritos do DML quando da realização da necropsia). Tiradas todas as fotos possíveis, colhidas todas as informaçoes, nos retiramos do local.

Chegando na DPPA, ainda tive que levar um adolescente que havia sido detido por dirigir sem habilitação até a casa de sua mãe (para a assinatura do termo de entrega de menor), porque ela não tinha como chegar à nós. O menor cometeu um "crime" e ainda ganhou carona para voltar para casa (vai dizer que eles não tem um tratamento de primeiro mundo?).

Por fim, a cereja que faltava no bolo, um flagrante por embriaguez ao volante.  O bêbado estava saindo de uma festa, manobrando, e ouvindo o guardador de carros dizer: - Pode vir! Tá longe ainda!.. Bum! Bateu em um carro que estava estacionado. A Polícia Militar, ao chegar ao local, realizou o teste do bafômetro e constatou o excesso. Dadas as circunstâncias pessoais do autor e também do fato (não haver lesionados e o cuidador de automóveis ter colaborado para o dano), arbitrei uma fiança de baixo valor, e ele acabou sendo solto para responder ao processo em liberdade.

E exatamente às sete horas da manhã, isso mesmo, faltando apenas uma hora para que o plantão fosse passado à outra equipe, recebemos mais uma notícia de homicídio. Dessa vez o nosso trabalho foi facilitado tanto pelo acesso ao local quanto pela luz solar que nos iluminava. O isolamento já havia sido feito pela Brigada Militar, assim que nos restou chamar a perícia e aguardar sua chegada. Foram alguns poucos minutos de espera, para que começássemos a mexer no corpo e saber como realmente teria se dado a morte. E não houve surpresa para ninguém quando vimos ao menos dois tiros: um pelas costas e outro que atingiu a cabeça. Testemunhas disseram que se tratava de um traficante/usuário de drogas, e esta deve ter sido a motivação para que mais essa vida fosse ceifada.

Ufa! Foi um plantão bem corrido, apesar de ter começado devagar. Não preguei os olhos em nenhum momento. Vinte e cinco horas de atenção e tensão.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Quarta, 12.10.11 - Dia da criança? Dia de gente grande

Enquanto me preparava para sair de casa recebi o telefonema do Delegado que estava saindo do plantão. Sua voz aparentava cansaço, resquícios de uma noite mal dormida. Os motivos? Dois flagrantes por terminar: um envolvendo a já conhecida e cansativa embriaguez ao volante (onde houve o pagamento de fiança para não haver recolhimento ao presídio) e um tráfico de drogas praticado por uma dupla em uma moto, e apreendida grande pedra de crack no valor de R$ 500,00 para ser posteriormente fracionada e vendida (faltando apenas a comunicação da prisão aos familiares destes). Feitas as diligências cabíveis, e os contatos com os parentes dos presos, não conseguimos encaminhá-los à prisão na primeira hora porque logo fomos chamados a atender um local de morte.

O trajeto, que possui aproximadamente 15 km, até o lugar onde foi encontrado o cadáver, foi relativamente tranquilo. Fizemos apenas uma abordagem a um veículo que possuía vidros escuros e que fechou um deles ao avistar a viatura. O motorista não tinha praticamente nada de errado (apenas papéis de seda jogados pelo carro - indícios do uso de maconha) e os documentos estavam em dia, por isso acabamos liberando-o. Já no estaleiro onde estava o corpo, encontramos um pequeno ajuntamento de pessoas: algumas trabalhando na reforma de um barco e outras curiosas tentando saber o motivo de a Polícia ter sido chamada.

Dentro de uma única e pequena peça, junto a roupas mal arrumadas e uma cama improvisada, jazia um senhor de uns 53 anos. Estava caído com a cabeça enconstada no fogão que pouco devia ser usado, pois segundo nos contaram os vizinhos, o falecido mais ingeria líquidos do que sólidos. Diziam que ele nunca ficava sóbrio, evitava a ressaca mantendo-se bêbado. Mas apesar desse defeito, era uma pessoa extrovertida e brincalhona, e muito querida por todos os que estavam em sua volta. Concluimos que a morte foi súbita, em decorrência de causas naturais, pois nenhum sinal de violência aparentava e não haviam motivos preliminares para alguém querer matar aquele senhor amado por todos. Uma senhora de uns 85 anos quis despedir-se do amigo, pouco ligando para o caminho tortuoso que levava ao último quarto em que ele viveu, caminhando aos trancos e barrancos (caindo quando tropeçou em uma viga de madeira envolta pelo mato que cresceu em seu entorno), e soltando timidas lágrimas quando avisou o conhecido. Recolhido o corpo, reunimos informações sobre os bandidos locais (até nessas horas as denúncias anônimas sobre outros crimes devem ser apuradas para ações posteriores) e partimos de regresso à Delegacia.

No caminho, avistamos um homem que parecia bêbado saindo do meio do mato. Resolvemos abordar para verificar o que ele estava fazendo naquele local ermo. Segundo nos contou, estava procurando tartarugas (apresentando sinais de uma certa deficiência mental). As aparências às vezes enganam, e ele tinha algo de suspeito (não sei explicar o quê) por isso fizemos um levantamento fotográfico dele, já que não portava nenhum tipo de documento. Na DPPA viemos a saber que é um conhecido ladrão de objetos da região; aproveita-se da sua aparente debilidade para aproximar-se das pessoas e levar seus pertences. Como ele não tinha praticado nenhum crime no momento da abordagem, acabou liberado, entretanto identificado para possíveis reconhcimentos fotográficos posteriores.

Na Delegacia, enquanto a Equipe Volante levava os presos da madrugada ao presídio, atendi a dois casos de violência patrimonial contra pedestres. Um deles foi um furto de uma bolsa de uma senhora que estava catando latinhas na rua. Quem em sã consciência furta uma catadora de latinhas? O pouco que ela obteria com a venda dos materias coletados, seria levado pelo ladrão. Só que ele contou com o azar dessa vez. Na tentativa de fuga, correu em direção a um quartel da Brigada Militar, e como estava sendo acompanhado por um motociclista (que avisou com antecedência os policiais), acabou sendo detido em frente ao Batalhão e trazido para nós para a lavratura do auto de prisão em flagrante. Mais um xis em sua extensa lista de crimes.

O outro caso foi semelhante, mas dessa vez houve a grave ameaça com uma chave de fenda e a bolsa foi arrancada à força, pois a mulher não queria liberá-la (aqui de novo a lembrança, não reagir nunca: a bolsa pode ser recuperada, como foi depois, mas a vida ou a saúde não!). Por sorte um vigia de um estacionamento viu a ação e perseguiu o acusado de bicicleta até avistar uma viatura da Polícia Militar, que acabou prendendo-o em flagrante. Por sorte - e graças à ação do vigia - a bolsa foi devolvida à pobre e assustada senhora. Aqui, o indiciado ainda mentiu o nome, dando um trabalho extra para nós, porém lhe rendendo mais um crime de falsa identidade para sua ficha criminal. E vai dormir na cadeia!

Mais tarde fizemos mais uma prisão em flagrante por embriaguez ao volante - artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. O motociclista embrigado foi fazer uma conversão à esquerda, mas um carro vinha atrás em alta velocidade e não teve tempo de frear, gerando a colisão entre os veículos. O piloto da moto acabou lesionado na boca, teve a moto danificada, estava bêbado e acabou sendo preso em flagrante. Que dia péssimo ele (que não tinha registro policial nem de perda de documento) teve. Era muito pobre, por isso arbitrei a fiança mais baixa que podemos arbitrar - de aproximadamente R$ 180,00 - para liberá-lo. Todos os acontecimentos já eram suficientes para mostrar que ele estava errado; ir para a prisão seria apenas aumentar desnecessariamente o seu sofrimento. Ele ainda tentava argumentar que não teve culpa na colisão, pois foi arrebatado na traseira, e não conseguia entender que não estava sendo "preso" pelo acidente, e sim pela direção de veículo automotor sob influência do álcool. Por fim, sua fiança foi paga com a reunião de notas de familiares e ele pode responder ao processo em liberdade. Sua ressaca moral certamente será muito maior de que a alcoólica.

O restante da noite foi calmo e aproveitei para tentar terminar de ler um livro que havia sido recomendado por um policial que trabalha comigo, até que veio o sono (rapidamente, devido ao intenso dia vivido).