domingo, 31 de julho de 2011

Sexta, 29.07.11

Depois da última quinta-feira de correria, rezei para que a sexta fosse mais tranqüila, pois além do trabalho, dessa vez eu dobrei o plantão (48 horas) porque a Delegada que estaria de serviço pediu, por motivos particulares, que eu fizesse esse dia de trabalho por ela. As primeiras horas passaram rapidamente e parecia que o dia seria como eu queria, mas em pouco tempo já tive que decidir sobre o caso de uma estudante universitária que teria retirado todos os dispositivos de segurança que guarneciam uma jaqueta de valor aproximado de R$ 200,00 em uma loja de roupas.

Foi feito o simples registro do fato, já que juridicamente, quando o segurança da loja acompanha a pessoa em todos os momentos, esperando apenas a hora em que esta vai deixar o estabelecimento para dar o bote, isso torna praticamente impossível que o crime seja consumado. Ou seja, quando toma providências para que ela não consiga lograr êxito no seu intento criminoso, considera-se que não haveria possibilidade de se atingir o bem jurídico protegido pela norma. Para o direito, trata-se de um crime impossível, portanto, um não crime.

Dadas as orientações, me desloquei à Central de Termos Circunstanciados. TC, para aqueles que não conhecem, seria o mesmo que um inquérito policial aberto para investigar um fato, somente um pouco mais simples, pois serve para apurar a autoria de crimes menos graves, com penas de até no máximo de 2 anos. Lá temos montes de papel, montes de crimes, montes de histórias. Desde brigas de vizinhos, ameaças, xingamentos, lesões corporais leves, perturbação da tranqüilidade (som alto, telefonemas inesperados de madrugada, etc). Lá é onde literalmente gastamos a caneta. São muitos crimes de menor importância em um primeiro momento, mas que podem vir a gerar maiores problemas posteriormente. O crime que mais antecede o homicídio é a ameaça, portanto, devemos levar todo e qualquer caso a sério.  

Enquanto estava assinando os documentos, recebi a notícia de duas mortes praticamente ao mesmo tempo em dois lugares diferentes. Em uma delas, a pessoa havia falecido em casa e o proprietário da residência, estranhando o silêncio de seu inquilino, resolveu ingressar no imóvel para ver se estava tudo bem, e acabou encontrando o amigo morto há pelo menos uma semana. Chamamos o IML para recolher o corpo que, ao que tudo indica, teve morte natural. Nesse primeiro local não consegui comparecer, mas no segundo local eu fui. Um senhor de aproximadamente 70 anos teve um infarto dentro do motel. Analisei o local, bem como o corpo do idoso e nenhum sinal de crime foi detectado. Contei com o apoio dos funcionários do IML para sanar eventual dúvida sobre o fato. Sem sinais de violência, contatamos o médico que o acompanhava e este entendeu que houve uma parada cardiorrespiratória.

No momento que voltava do motel, já na delegacia, adentrou o local um senhor apavorado, informando que um funcionário seu estaria sendo assaltado, e que a pessoa estaria presa dentro do veículo da empresa. Nos deslocamos ao lugar dos fatos para melhor apurar os fatos. Chegando lá cada um contou uma versão dos fatos, o homem afirmou que estava andando de carro quando de repente uma mulher abriu a porta e lhe exigiu o pagamento de R$ 5,00, do contrário o denunciaria por estupro. A mulher conta que é prostitua e ingressou no veículo, fez sexo oral no rapaz e na hora do pagamento este não quis fazê-lo e exigiu que ela descesse do carro. Entraram em luta corporal e ela ficou com o rosto machucado, por ter levado um soco no nariz. Levamos todas as partes para a delegacia e fizemos um simples registro. No meu ver houve um desacerto comercial e as partes entraram em vias de fato. Nada muito grave.

Jantei e fiquei em casa um pouco mais para dar uma relaxada para a madrugada que viria. Ao retornar à delegacia, me deparei com a apresentação de dois detidos pela BM que teriam furtado carro com micha, ou chave falsa. Primeiro flagrante do dia. Os acusados repetem esse mesmo modo de agir várias vezes (pude ver pelos históricos de ocorrências de cada um). O interessante foi a conversa que tive com a vítima do furto (coisa que faço para melhor entender como os fatos se deram). 

Ela é ex-viciada em drogas. Contou-me sobre o Narcóticos Anônimos, em como é importante o trabalho feito por eles. Já furtou coisas de casa para sustentar o vício, comeu comida do lixo, porque o dinheiro que possuía no bolso era para a compra da droga, foi até traficante para conseguir manter-se como usuária. Após operação da polícia para prender um ex-namorado, ela teria assumido que a droga era sua, na intenção de protegê-lo. Isso fez com que ganhasse respeito dentro do esquema. Após aproximadamente um ano de “trabalho”, em uma briga entre facções rivais, foi jurada de morte, levou um corte profundo no pescoço. Diante tanto sangue, o agressor fugiu do local, mas não foi o bastante para matá-la. Isso, segundo contou, foi o seu fundo do poço, o momento em que decidiu largar as drogas, que tanta desgraça lhe haviam trazido. Hoje trabalha na recuperação de pessoas que assim como ela perderam tudo para alimentar esse vício destrutivo. São como uma família. Gostei de ouvir suas histórias, e isso mostrou confiança a ela, tanto é que me narrou que pensou inclusive em prostituir-se para sustentar o vício. Me contou que a sensação das drogas é até boa, mas não vale a pena pelo que se perde. Narrou também que não existe um ex-viciado. Para o resto da vida ela terá que se policiar e usar a já conhecida frase: só por hoje não. Falou que quando se começa a usar drogas, se usa todas as que estão ao alcance. Até hoje ela luta contra isso, e chegou até a lacrimejar de felicidade contando que já há alguns anos não usa. Esse é o papel social que entendo a polícia deva ter.

Fala-se muito em polícia comunitária, em trazer a população para o combate à criminalidade. E eu concordo com essa filosofia. TODOS são responsáveis para fazer um mundo melhor, não apenas a polícia deve lutar contra o crime, mas toda a sociedade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário