segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Segunda, 01.08.11 - visita do amigo de SP

Acordei muito bem e disposto para trabalhar. Nessa segunda eu realmente estava empolgado em fazer alguma coisa de diferente que mudasse a rotina da delegacia. Pretendia ao menos concretizar uma de minhas muitas ideias sobre como fazer as coisas de uma maneira diferente, de um modo melhor. Então resolvi tratar da publicidade na DPPA (história que contarei logo a seguir).

Antes tratei de fazer o meu caminho tradicional. Despachei as ocorrências que haviam sido registradas no final de semana. Não haviam muitas, talvez umas 20 ou 25. Essa tarefa eu demoro em média uma hora e meia para fazer, talvez um pouco menos. Nada de grave ou esdrúxulo a ser contado, portanto passemos essa fase.
Quanto às minhas decisões, tive que decidir os seguintes casos:
Um rapaz que se aproximou da mãe e da irmã para supostamente visitar seus filhos. Mentira dele, pois aparentava estar um pouco drogado ou bêbado. Queria na verdade importuná-las mais do que o faz usualmente (possui inclusive medida protetiva de não aproximação das duas). Como não houve agressão ou mesmo ameaça, resolvi que não deveria encaminhá-lo para o presídio por esse motivo tão banal. Ele responderá pelos seus atos, isso sim, mas não precisa estar preso por isso.
Ao mesmo tempo em que escutava a narrativa acima, a BM apresentou um suposto traficante de drogas que possuía 2 papelotes de cocaína e R$ 90,00 no bolso. O pegaram dentro de sua residência ainda perto das 8:00 hs (detalhe, ele deveria estar de volta no presídio às 9:00, pois cumpre regime semiaberto). Apesar do possível descumprimento da pena imposta, entendi que não era caso de autuá-lo por tráfico, já que ele nunca teve envolvimento anterior com drogas e pela quantidade e circunstâncias em que foram encontradas as drogas com ele. Sobre o dinheiro, ele me contou uma história muito mal contada, dizendo que havia pegado emprestado com um amigo. Na verdade suspeitamos que ele tenha feito algum roubo a pedestre durante o fim de semana em que ficou fora do presídio.
Essas saídas são muito importantes para a ressocialização do preso, mas devem ser concedidas somente após muita atenção por parte do juiz responsável por concedê-la (e para isso deve haver uma grande colaboração de toda uma comissão multidisciplinar, que aponte ao magistrado a possibilidade ou não da soltura temporária). Não há como se culpar o juiz por cumprir a lei, ele deve ter base para decidir e é aí que deveria entrar o trabalho de toda uma equipe. Coisa que infelizmente nem sempre acontece. Pessoas sem a menor capacidade de serem soltas acabam saindo e outras que poderiam ganhar as ruas permanecem presas. Há muito que ser revisto no nosso sistema carcerário de uma maneira geral, porém isso é assunto para outro dia, não quero me estender muito.
Por ser começo de mês, após decidir essas pendengas fático-jurídicas, tive que estabelecer qual seria a escala de plantão de todo o mês de agosto. Com os pedidos de férias, licenças saúde e prêmio, trocas de equipe, policiais no expediente (que trabalham as normais 8 horas diárias), bem como retorno de alguns servidores, tive um pouco de dor de cabeça para decidir quem seria de uma equipe e quem seria de outra. Infelizmente não conseguimos agradar 100% a todos, mas para que dê certo conto com o apoio de todos os meus funcionários, sempre atenciosos e dispostos a colaborar por uma delegacia melhor. Acreditem, em 9 meses de trabalho, não precisei punir ninguém, e espero que as coisas continuem assim. Gosto de todos aqui dentro. Importante saber que cada ser humano ter suas manias e modo de vida. Respeitar cada uma dessas individualidades, não obrigar que pensem somente como você quer é o primeiro passo para se dar bem na administração de pessoas. Claro que podem haver abusos, mas os próprios companheiros tratam de alertar a pessoa que pretende sair da linha. Assim, o controle é de cada um, nisso não tenho do que reclamar. Ufa! Liga daqui, conversa dali: tudo acertado! As equipes continuarão funcionando por mais um mês. Em setembro tem mais, só que me preocuparei quando chegar a hora, nada de se estressar antecipadamente (há algumas coisas que se resolvem sozinhas, basta acreditar).
Fui à central de TCs e despachei o que faltava (pouca coisa, já que quinta e sexta passada estive lá trabalhando). Levei um amigo para conhecer a rotina. Ele foi só olhos e ouvidos, tentando captar cada detalhe que acontecia. Enquanto despachava as ocorrências, ele se divertiu com as histórias que dois policiais das antigas contavam para ele. E eu só ouvia também, tentando aprender o que tivesse de bom para aprender. Temos que selecionar tudo o que ouvimos e captar as boas mensagens – há muita informação ao mesmo tempo no ar, aprender a filtrá-las é uma arte.
Feito o trabalho, voltei à minha delegacia para apresentar a estrutura ao amigo. Ele ficou bastante impressionado, pois nunca havia entrado em uma delegacia antes. E fui narrando alguns momentos que vivi ali, em cada canto, em cada espaço da delegacia. Mostrei a garagem onde ficam as viaturas, o xadrez, o local de registros de ocorrências e a nossa cozinha, banheiro e quarto dos agentes.
Continuando a caminhada, já no gabinete, recebi uma publicitária, pois pretendo fazer uma pesquisa de opinião com o público que atendemos. Recebi vários modelos de folders e tive que decidir pelo que melhor se moldava à proposta que quero implementar. Recebi algumas críticas: “Delegado, a gente vai ter que ouvir muita besteira com isso aí”. Mas não tenho medo de críticas, elas só me fortalecem, ainda mais se forem construtivas. Espero poder melhorar assim o nosso atendimento, já que milhares de pessoas aqui passam por ano.
Jantei e logo retornei ao trabalho, tinha algumas poucas coisas ainda pendentes e queria terminá-las para entregar o plantão ao próximo delegado sem nada a fazer. Ainda ouvi algumas histórias/casos antes de terminar a noite. Um homem que havia agredido a ex-esposa por um desacerto sobre a guarda da criança na hora em que esta seria devolvida à mãe; e uma adolescente que estava sob a guarda da avó, pois a mãe a havia perdido e o Conselho Tutelar entendido que seria melhor que ficasse com a senhora, porém o namorado da avó a agredia, então, temporariamente ela voltou à convivência com a mãe. Imaginem o que é isso na cabeça de uma pessoa de apenas 13 anos de idade. Isso me entristeceu. A família é a primeira forma de controle social, e quando ela falha, dificilmente os outros meios serão capazes de endireitar a sofrida pessoa.
Terminadas as atividades, aproveitei para conhecer melhor um policial que se apresentou na delegacia nos últimos dias, gosto sempre de ouvir suas historias pessoais, suas fraquezas, suas virtudes, assim sou capaz de melhor decidir sobre qualquer assunto relacionado a cada um quando me pedem algum auxílio. Trabalhar com pessoas é ao mesmo tempo muito difícil, mas prazeroso também. A satisfação de ouvir os contos de seus familiares, coisas que vão além do trabalho, mostrar essa confiança a eles é impagável. Também vibrei ao saber que outro funcionário vai ser pai. Fui dormir feliz ao ver aquele sorriso no rosto dele.
O dia é assim, decisões jurídicas, administrativas e pessoais à flor da pele. O amigo visitante ficou impressionado! E é justamente isso que fascina nesse trabalho. Não tenho como levar o problema para casa e pensar em uma solução melhor. Acontece aqui e agora e eu tenho o poder de decidir o futuro de certas pessoas. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades: e eu gosto delas.

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