Despachos de
ocorrências e coisas administrativas. Foi assim que o dia começou. Restava uma
pilha de papéis a serem assinados, de folhas a serem remetidas aos mais diversos
órgãos, aos mais diferentes Estados. Não demorei muito para terminá-la, talvez
uma ou no máximo duas horas.
Colocados os
papéis nos seus lugares, sentei na cadeira e esperei as os fatos acontecerem,
pois eles com certeza viriam. E de fato vieram. O primeiro caso que tive que
decidir foi um tanto inusitado. Um ladrão tinha acabado de furtar a carteira de
uma menina na rua, e ela, desesperada correu atrás de ajuda, e uns rapazes que
estavam por perto resolveram ajudá-la perseguindo o garoto. Ao alcançá-lo,
estavam usando de uma violência um pouco acima do esperado, momento em que um
senhor que trabalhava perto do local onde houve a abordagem resolveu intervir e
pediu que o rapaz largasse o menino. Ele não sabia que um crime havia
acontecido anteriormente, apenas viu a agressão e resolveu ajudar. Como esse
rapaz que segurou o menino aparentava ser um lutador de alguma arte marcial, e
fez menção de bater nesse senhor, este não pensou duas vezes e ingressou na
farmácia onde trabalha como segurança e pegou um revólver que possuía,
invertendo a ameaça de agressão. Nesse ínterim, o rapaz acabou por soltar o
menino que havia furtado a carteira e logo após chegou a Brigada Militar. Com
isso, pediram que lhe mostrassem a sua arma e para seu azar ela tinha o número
raspado. Não me restou opção a não ser autuá-lo em flagrante, ficando
impossibilitado de arbitrar fiança nesse caso. O senhor de 46 anos já era
aposentado por uma grave doença que possui, tentou ajudar aparentemente um
menino que estava sendo agredido e acabou sendo recolhido ao presídio. Sorte ou
azar? Talvez tenha sido melhor ele ter sido preso e não ter usado a arma, do que ter que usá-la e não ter condições para tanto. Arma de fogo com civis é um assunto sério, e só aqueles que se mantém treinados devem usar desse recurso para proteger-se, do contrário, a melhor defesa é a prevenção. Quando uma situação de risco acontece, a população deve confiar no trabalho policial e nunca agir por conta própria, pois do contrário essa conta pode sair muito cara.
Infelizmente
nada pude fazer em prol do senhor a não ser seguir a letra fria da lei. Sei que a sua intenção foi boa, mas um crime foi cometido. Esse senhor nunca teve
nenhum registro de ocorrência, nem mesmo de perda de documento, e na ânsia de
ajudar, acabou indo ao presídio. Não gostei muito de ter feito esse trabalho,
mas às vezes a lei se mostra injusta e nada podemos fazer a respeito.
Durante a
lavratura desse auto de prisão em flagrante, recebemos um chamado sobre um incêndio.
Felizmente ninguém saiu ferido, pois haviam acabado de sair da casa, e
aparentemente não houve indícios de que tenha sido criminoso. Assim, apenas
fomos ao local, fizemos um levantamento fotográfico, conversamos com as
testemunhas e voltamos à Delegacia para terminar o trabalho iniciado.
Durante a tarde
a Polícia Rodoviária Federal me ligou para sanar uma dúvida sobre um caso na
estrada. Um homem estaria guiando um carro de uma Prefeitura de SC sem
autorização. Embora o carro não tivesse qualquer irregularidade, a atividade
era no mínimo suspeita, já que o motorista alegava que havia comprado o carro
de uma concessionária e na verdade qualquer bem público só pode ser vendido, a
princípio, mediante leilão. Recebidas as partes na DP, conseguimos contato com
a empresa que havia adquirido o bem da Prefeitura e recebemos a cópia da ata de
leilão, resolvendo nosso impasse. Mas quando tudo parecia estar resolvido, o
advogado do motorista apareceu para tumultuar o plantão. Por sorte ele não insistiu
muito em seu intento, já que consegui conversar com ele e acalmar os ânimos,
terminando assim o registro da ocorrência.
Levamos o
preso ao presídio, jantei por lá (a comida estava muito boa!) e depois fomos
levar os autos à escrevente do Judiciário, para que ela levasse ao juiz de
plantão posteriormente. No meio do caminho, ouvimos pelo rádio que um senhor
havia sido encontrado morto. Tinha mais de 70 anos e faleceu a princípio de
parada cardíaca. Chamado o DML, os sinais visíveis eram de morte natural mesmo,
devido talvez ao abuso no uso de medicamentos (pressão, viagra, diabete, etc).
O corpo ainda assim foi recolhido para necropsia, a fim de retirar toda e
qualquer dúvida.
Retornando à
DP, ao mesmo tempo praticamente, recebemos a BM trazendo dois traficantes de
drogas. O primeiro deles possuía um pote contendo 26 pedras de crack e uns R$
60,00 em notas trocadas. Ao indagá-lo, num primeiro momento, afirmou que nada
estava com ele, que teria a Polícia Militar plantado a prova; depois, ao ver
que eu faria o flagrante, tentou contar que era usuário, e que a droga lhe
pertencia. Ou seja, contou duas histórias diferentes para o mesmo fato. Por
fim, num ato de desespero, ainda tentou argumentar que era réu primário, mas
ele tem apenas 18 anos e poucos meses e todo bandido algum dia já foi réu
primário. Não seria esse o motivo que o livraria da prisão.
O outro foi
um pouco mais complicado, pois as versões não batiam. Na verdade os Policiais
Militares eram uníssonos, o traficante e suas testemunhas é que não se
entendiam. Esses usuários de droga às vezes me irritam um pouco. No momento em
que são presos, dizem orgulhosos que são usuários, na tentativa de se livrarem
do flagrante, para serem beneficiados por nossa lei que é falha nesse sentido.
A lei antidrogas prevê a pena absurda de advertência ao usuário de drogas. Ou
seja, se alguém é pego usando drogas, a pena aplicada a ele será um simples
aviso dado pelo juiz sobre os males das drogas. Me pergunto: qual a finalidade
dessa pena? Alguém vai deixar de se drogar só porque um juiz o advertiu? Na
maior parte das vezes eles destroçam suas famílias, vêem suas mães chorando e não
se comovem, não seria um desconhecido o advertindo que mudariam suas atitudes. Enfim,
para não desviar muito do caso trazido a nós, acabei por fazer o flagrante, já
que o acusado possuía consigo uma balança de precisão (com marcas de pedras de
crack que haviam sido cortadas nela), 39 pedras de crack e ainda R$ 210,00.
Segundo contou esse dinheiro foi dado por sua mãe para que comprasse roupas,
mas o esperto foi comprar drogas. Apesar de já ter sido internado diversas
vezes pelo uso da droga, dessa vez os fatos conspiraram contra si e a situação
de uso não restou configurada, ocorrendo o recolhimento à prisão.
Após isso, a
noite foi bem tranqüila. Recebi apenas mais um chamado sobre um acidente de
veículo envolvendo uma moto com atropelamento de pedestres, sem lesões graves.
Mas nesse caso apenas coube a nós registrar os fatos e remeter à Delegacia de
Delitos de Trânsito para uma investigação mais apurada dos fatos.
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