domingo, 11 de setembro de 2011

Sábado, 10.09.11 - O tiro que saiu pela culatra.


Despachos de ocorrências e coisas administrativas. Foi assim que o dia começou. Restava uma pilha de papéis a serem assinados, de folhas a serem remetidas aos mais diversos órgãos, aos mais diferentes Estados. Não demorei muito para terminá-la, talvez uma ou no máximo duas horas.

Colocados os papéis nos seus lugares, sentei na cadeira e esperei as os fatos acontecerem, pois eles com certeza viriam. E de fato vieram. O primeiro caso que tive que decidir foi um tanto inusitado. Um ladrão tinha acabado de furtar a carteira de uma menina na rua, e ela, desesperada correu atrás de ajuda, e uns rapazes que estavam por perto resolveram ajudá-la perseguindo o garoto. Ao alcançá-lo, estavam usando de uma violência um pouco acima do esperado, momento em que um senhor que trabalhava perto do local onde houve a abordagem resolveu intervir e pediu que o rapaz largasse o menino. Ele não sabia que um crime havia acontecido anteriormente, apenas viu a agressão e resolveu ajudar. Como esse rapaz que segurou o menino aparentava ser um lutador de alguma arte marcial, e fez menção de bater nesse senhor, este não pensou duas vezes e ingressou na farmácia onde trabalha como segurança e pegou um revólver que possuía, invertendo a ameaça de agressão. Nesse ínterim, o rapaz acabou por soltar o menino que havia furtado a carteira e logo após chegou a Brigada Militar. Com isso, pediram que lhe mostrassem a sua arma e para seu azar ela tinha o número raspado. Não me restou opção a não ser autuá-lo em flagrante, ficando impossibilitado de arbitrar fiança nesse caso. O senhor de 46 anos já era aposentado por uma grave doença que possui, tentou ajudar aparentemente um menino que estava sendo agredido e acabou sendo recolhido ao presídio. Sorte ou azar? Talvez tenha sido melhor ele ter sido preso e não ter usado a arma, do que ter que usá-la e não ter condições para tanto. Arma de fogo com civis é um assunto sério, e só aqueles que se mantém treinados devem usar desse recurso para proteger-se, do contrário, a melhor defesa é a prevenção. Quando uma situação de risco acontece, a população deve confiar no trabalho policial e nunca agir por conta própria, pois do contrário essa conta pode sair muito cara.

Infelizmente nada pude fazer em prol do senhor a não ser seguir a letra fria da lei. Sei que a sua intenção foi boa, mas um crime foi cometido. Esse senhor nunca teve nenhum registro de ocorrência, nem mesmo de perda de documento, e na ânsia de ajudar, acabou indo ao presídio. Não gostei muito de ter feito esse trabalho, mas às vezes a lei se mostra injusta e nada podemos fazer a respeito.

Durante a lavratura desse auto de prisão em flagrante, recebemos um chamado sobre um incêndio. Felizmente ninguém saiu ferido, pois haviam acabado de sair da casa, e aparentemente não houve indícios de que tenha sido criminoso. Assim, apenas fomos ao local, fizemos um levantamento fotográfico, conversamos com as testemunhas e voltamos à Delegacia para terminar o trabalho iniciado.

Durante a tarde a Polícia Rodoviária Federal me ligou para sanar uma dúvida sobre um caso na estrada. Um homem estaria guiando um carro de uma Prefeitura de SC sem autorização. Embora o carro não tivesse qualquer irregularidade, a atividade era no mínimo suspeita, já que o motorista alegava que havia comprado o carro de uma concessionária e na verdade qualquer bem público só pode ser vendido, a princípio, mediante leilão. Recebidas as partes na DP, conseguimos contato com a empresa que havia adquirido o bem da Prefeitura e recebemos a cópia da ata de leilão, resolvendo nosso impasse. Mas quando tudo parecia estar resolvido, o advogado do motorista apareceu para tumultuar o plantão. Por sorte ele não insistiu muito em seu intento, já que consegui conversar com ele e acalmar os ânimos, terminando assim o registro da ocorrência.

Levamos o preso ao presídio, jantei por lá (a comida estava muito boa!) e depois fomos levar os autos à escrevente do Judiciário, para que ela levasse ao juiz de plantão posteriormente. No meio do caminho, ouvimos pelo rádio que um senhor havia sido encontrado morto. Tinha mais de 70 anos e faleceu a princípio de parada cardíaca. Chamado o DML, os sinais visíveis eram de morte natural mesmo, devido talvez ao abuso no uso de medicamentos (pressão, viagra, diabete, etc). O corpo ainda assim foi recolhido para necropsia, a fim de retirar toda e qualquer dúvida.

Retornando à DP, ao mesmo tempo praticamente, recebemos a BM trazendo dois traficantes de drogas. O primeiro deles possuía um pote contendo 26 pedras de crack e uns R$ 60,00 em notas trocadas. Ao indagá-lo, num primeiro momento, afirmou que nada estava com ele, que teria a Polícia Militar plantado a prova; depois, ao ver que eu faria o flagrante, tentou contar que era usuário, e que a droga lhe pertencia. Ou seja, contou duas histórias diferentes para o mesmo fato. Por fim, num ato de desespero, ainda tentou argumentar que era réu primário, mas ele tem apenas 18 anos e poucos meses e todo bandido algum dia já foi réu primário. Não seria esse o motivo que o livraria da prisão.

O outro foi um pouco mais complicado, pois as versões não batiam. Na verdade os Policiais Militares eram uníssonos, o traficante e suas testemunhas é que não se entendiam. Esses usuários de droga às vezes me irritam um pouco. No momento em que são presos, dizem orgulhosos que são usuários, na tentativa de se livrarem do flagrante, para serem beneficiados por nossa lei que é falha nesse sentido. A lei antidrogas prevê a pena absurda de advertência ao usuário de drogas. Ou seja, se alguém é pego usando drogas, a pena aplicada a ele será um simples aviso dado pelo juiz sobre os males das drogas. Me pergunto: qual a finalidade dessa pena? Alguém vai deixar de se drogar só porque um juiz o advertiu? Na maior parte das vezes eles destroçam suas famílias, vêem suas mães chorando e não se comovem, não seria um desconhecido o advertindo que mudariam suas atitudes. Enfim, para não desviar muito do caso trazido a nós, acabei por fazer o flagrante, já que o acusado possuía consigo uma balança de precisão (com marcas de pedras de crack que haviam sido cortadas nela), 39 pedras de crack e ainda R$ 210,00. Segundo contou esse dinheiro foi dado por sua mãe para que comprasse roupas, mas o esperto foi comprar drogas. Apesar de já ter sido internado diversas vezes pelo uso da droga, dessa vez os fatos conspiraram contra si e a situação de uso não restou configurada, ocorrendo o recolhimento à prisão.

Após isso, a noite foi bem tranqüila. Recebi apenas mais um chamado sobre um acidente de veículo envolvendo uma moto com atropelamento de pedestres, sem lesões graves. Mas nesse caso apenas coube a nós registrar os fatos e remeter à Delegacia de Delitos de Trânsito para uma investigação mais apurada dos fatos.      

Nenhum comentário:

Postar um comentário