sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Quinta, 20.10.11 - O som do apito abafado por tiros

Nada de grave ocorreu na cidade até aproximadamente dez horas da noite. Em verdade, despachei muitas e muitas ocorrências e pendências administrativas, li informativos e decisões da nossa divisão de assessoramento jurídico (que padroniza algumas interpretações que devemos dar sobre determinados assuntos). Conversei bastante com os agentes, ouvi opiniões e críticas sobre o serviço. Enfim, era o momento de botar o papo em dia, de saber quais os crimes haviam acontecido recentemente, quem seriam os suspeitos, etc. E quando o dia é tranquilo...

Passado o horário do jantar, tivemos que resolver algumas pendengas. A primeira delas foi um rapaz que foi abordado pela Brigada Militar com uma pequena quantidade de droga, e ao ser indagado, apontou quem seria o suspoto traficante. No momento em que este foi abordado, reagiu às ordens recebidas e partiu para a agressão sobre os policiais, que tiveram que usar a força para contê-lo. Em sua posse não haviam drogas, mas uma faca e um tchaco, o que preocupou os milicianos ao conterem-no. Aqui fizemos o registro de ocorrência apenas, pois lamentavelmente as penas para quem afronta as autoridades (desobediência e resistência) são extremamente baixas.

Algum tempo depois foi detido um conhecido furtador de aparelhos de som automotivos. A vítima recebeu uma ligação de um conhecido afirmando que alguém estaria mexendo em seu veículo. Ao averiguar a informação, se deparou com o acusado dentro de seu carro, praticamente saindo com o rádio na mão. Optou por evitar o confronto (decisão muito sábia), e apenas o seguiu, mantendo contato permanente com o 190 e visual do ladrão, indicando em quais ruas estava passando, contando as trocas de roupa feitas pelo acusado para não ser percebido - tamanho o "profissionalismo" dele. Em pouco tempo foi alcançado, já que nem suspeitava qe estava sendo seguido, e trazido à nossa Delegacia para que fosse registrado o fato. Embora tenha negado qualquer envolvimento no furto, os indícios eram muito fortes, sobretudo porque a vítima não desgrudou os olhos dele, não restando opção senão pela lavratura do auto de prisão em flagrante. Quanto aos danos, além de arrombar o veículo e estragar o painel, deixou o som cair no chão (e um carro passou por cima do bem, que ficou obviamente imprestável).

Com o flagrante em andamento, recebermos a notícia de, adivinhem: um corpo caído no chão. Iniciado o deslocamento para o local dos fatos, já entramos em contato com os nossos queridos parceiros do DML e da Perícia. A viatura do DML estava nas redondezas, e pode nos acompanhar durante todo o trajeto (por sorte da motorista, que contou não saberia chegar facilmente ao lugar do crime). A Brigada Militar guarnecia o corpo e isolava a cena de familiares e amigos, para que os peritos pudessem trabalhar com mais calma. Como estava coberto por um plástico, e precisávamos deixar que a perícia o examinasse primeiro, resolvemos colher informações com as testemunhas oculares (ou auriculares, já que algumas somente ouviram os disparos). Estavam todos chocados com as circunstâncias, pois o rapaz que morreu trabalhava como vigia noturno da rua, e segundo contaram, não fazia mal a ninguém.

Conversamos com cunhado, amigo, mãe, amigos e esposa. O primeiro nada sabia, aproximou-se mais de curiosidade, para saber se tínhamos alguma suspeita; o segundo contou que viu um rapaz de camiseta branca correr pela rua após a vítima ter dito que não era ela que tinha feito determinada coisa e ter sido alveada pelos disparos. A mãe pouco acrescentou para a investigação, a esposa também (ajudou somente quanto informou que um par de chinelos próximo ao corpo era do filho do morto, o que nos fez excluir esse bem como prova). Outros amigos vieram e contaram que pegaram a vítima no colo, tendo este o tempo apenas de exlar o último suspiro. Uma das testemunhas me levou a um lugar onde a bicicleta da vítima estava jogada (há cerca de três quadras). Na fuga, um dos assassinos correu a pé, e o outro pegou a "magrela". Cada um foi para um lado, ficando mais difícil desvendar o destino que tomaram. O que esteve com a bicicleta pedalou até que a corrente escapasse da coroa, momento em que descartou-a e prossegiu a fuga a pé.

Fizemos colheita de eventuais impressões digitais deixadas por aquele que usou o veículo movido a tração humana e cuidamos principalmente do corpo. Foram quatro tiros pelas costas. Antes dos estampidos, a vítima soou o apito uma última vez, mostrando que estava presente, realizando o seu trabalho. Uma clara execução. Aparentemente, todos os disparos transfixaram o, agora, defunto. Entretanto, conseguimos coletar no local dois projéteis que serão usados para posteriores comparações com armas apreendidas. Assim, as demais balas, ou ficaram nas vestes, ou dentro do corpo (trabalho extra para os olhos aguçados dos peritos do DML quando da realização da necropsia). Tiradas todas as fotos possíveis, colhidas todas as informaçoes, nos retiramos do local.

Chegando na DPPA, ainda tive que levar um adolescente que havia sido detido por dirigir sem habilitação até a casa de sua mãe (para a assinatura do termo de entrega de menor), porque ela não tinha como chegar à nós. O menor cometeu um "crime" e ainda ganhou carona para voltar para casa (vai dizer que eles não tem um tratamento de primeiro mundo?).

Por fim, a cereja que faltava no bolo, um flagrante por embriaguez ao volante.  O bêbado estava saindo de uma festa, manobrando, e ouvindo o guardador de carros dizer: - Pode vir! Tá longe ainda!.. Bum! Bateu em um carro que estava estacionado. A Polícia Militar, ao chegar ao local, realizou o teste do bafômetro e constatou o excesso. Dadas as circunstâncias pessoais do autor e também do fato (não haver lesionados e o cuidador de automóveis ter colaborado para o dano), arbitrei uma fiança de baixo valor, e ele acabou sendo solto para responder ao processo em liberdade.

E exatamente às sete horas da manhã, isso mesmo, faltando apenas uma hora para que o plantão fosse passado à outra equipe, recebemos mais uma notícia de homicídio. Dessa vez o nosso trabalho foi facilitado tanto pelo acesso ao local quanto pela luz solar que nos iluminava. O isolamento já havia sido feito pela Brigada Militar, assim que nos restou chamar a perícia e aguardar sua chegada. Foram alguns poucos minutos de espera, para que começássemos a mexer no corpo e saber como realmente teria se dado a morte. E não houve surpresa para ninguém quando vimos ao menos dois tiros: um pelas costas e outro que atingiu a cabeça. Testemunhas disseram que se tratava de um traficante/usuário de drogas, e esta deve ter sido a motivação para que mais essa vida fosse ceifada.

Ufa! Foi um plantão bem corrido, apesar de ter começado devagar. Não preguei os olhos em nenhum momento. Vinte e cinco horas de atenção e tensão.

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