quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Quarta, 12.10.11 - Dia da criança? Dia de gente grande

Enquanto me preparava para sair de casa recebi o telefonema do Delegado que estava saindo do plantão. Sua voz aparentava cansaço, resquícios de uma noite mal dormida. Os motivos? Dois flagrantes por terminar: um envolvendo a já conhecida e cansativa embriaguez ao volante (onde houve o pagamento de fiança para não haver recolhimento ao presídio) e um tráfico de drogas praticado por uma dupla em uma moto, e apreendida grande pedra de crack no valor de R$ 500,00 para ser posteriormente fracionada e vendida (faltando apenas a comunicação da prisão aos familiares destes). Feitas as diligências cabíveis, e os contatos com os parentes dos presos, não conseguimos encaminhá-los à prisão na primeira hora porque logo fomos chamados a atender um local de morte.

O trajeto, que possui aproximadamente 15 km, até o lugar onde foi encontrado o cadáver, foi relativamente tranquilo. Fizemos apenas uma abordagem a um veículo que possuía vidros escuros e que fechou um deles ao avistar a viatura. O motorista não tinha praticamente nada de errado (apenas papéis de seda jogados pelo carro - indícios do uso de maconha) e os documentos estavam em dia, por isso acabamos liberando-o. Já no estaleiro onde estava o corpo, encontramos um pequeno ajuntamento de pessoas: algumas trabalhando na reforma de um barco e outras curiosas tentando saber o motivo de a Polícia ter sido chamada.

Dentro de uma única e pequena peça, junto a roupas mal arrumadas e uma cama improvisada, jazia um senhor de uns 53 anos. Estava caído com a cabeça enconstada no fogão que pouco devia ser usado, pois segundo nos contaram os vizinhos, o falecido mais ingeria líquidos do que sólidos. Diziam que ele nunca ficava sóbrio, evitava a ressaca mantendo-se bêbado. Mas apesar desse defeito, era uma pessoa extrovertida e brincalhona, e muito querida por todos os que estavam em sua volta. Concluimos que a morte foi súbita, em decorrência de causas naturais, pois nenhum sinal de violência aparentava e não haviam motivos preliminares para alguém querer matar aquele senhor amado por todos. Uma senhora de uns 85 anos quis despedir-se do amigo, pouco ligando para o caminho tortuoso que levava ao último quarto em que ele viveu, caminhando aos trancos e barrancos (caindo quando tropeçou em uma viga de madeira envolta pelo mato que cresceu em seu entorno), e soltando timidas lágrimas quando avisou o conhecido. Recolhido o corpo, reunimos informações sobre os bandidos locais (até nessas horas as denúncias anônimas sobre outros crimes devem ser apuradas para ações posteriores) e partimos de regresso à Delegacia.

No caminho, avistamos um homem que parecia bêbado saindo do meio do mato. Resolvemos abordar para verificar o que ele estava fazendo naquele local ermo. Segundo nos contou, estava procurando tartarugas (apresentando sinais de uma certa deficiência mental). As aparências às vezes enganam, e ele tinha algo de suspeito (não sei explicar o quê) por isso fizemos um levantamento fotográfico dele, já que não portava nenhum tipo de documento. Na DPPA viemos a saber que é um conhecido ladrão de objetos da região; aproveita-se da sua aparente debilidade para aproximar-se das pessoas e levar seus pertences. Como ele não tinha praticado nenhum crime no momento da abordagem, acabou liberado, entretanto identificado para possíveis reconhcimentos fotográficos posteriores.

Na Delegacia, enquanto a Equipe Volante levava os presos da madrugada ao presídio, atendi a dois casos de violência patrimonial contra pedestres. Um deles foi um furto de uma bolsa de uma senhora que estava catando latinhas na rua. Quem em sã consciência furta uma catadora de latinhas? O pouco que ela obteria com a venda dos materias coletados, seria levado pelo ladrão. Só que ele contou com o azar dessa vez. Na tentativa de fuga, correu em direção a um quartel da Brigada Militar, e como estava sendo acompanhado por um motociclista (que avisou com antecedência os policiais), acabou sendo detido em frente ao Batalhão e trazido para nós para a lavratura do auto de prisão em flagrante. Mais um xis em sua extensa lista de crimes.

O outro caso foi semelhante, mas dessa vez houve a grave ameaça com uma chave de fenda e a bolsa foi arrancada à força, pois a mulher não queria liberá-la (aqui de novo a lembrança, não reagir nunca: a bolsa pode ser recuperada, como foi depois, mas a vida ou a saúde não!). Por sorte um vigia de um estacionamento viu a ação e perseguiu o acusado de bicicleta até avistar uma viatura da Polícia Militar, que acabou prendendo-o em flagrante. Por sorte - e graças à ação do vigia - a bolsa foi devolvida à pobre e assustada senhora. Aqui, o indiciado ainda mentiu o nome, dando um trabalho extra para nós, porém lhe rendendo mais um crime de falsa identidade para sua ficha criminal. E vai dormir na cadeia!

Mais tarde fizemos mais uma prisão em flagrante por embriaguez ao volante - artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. O motociclista embrigado foi fazer uma conversão à esquerda, mas um carro vinha atrás em alta velocidade e não teve tempo de frear, gerando a colisão entre os veículos. O piloto da moto acabou lesionado na boca, teve a moto danificada, estava bêbado e acabou sendo preso em flagrante. Que dia péssimo ele (que não tinha registro policial nem de perda de documento) teve. Era muito pobre, por isso arbitrei a fiança mais baixa que podemos arbitrar - de aproximadamente R$ 180,00 - para liberá-lo. Todos os acontecimentos já eram suficientes para mostrar que ele estava errado; ir para a prisão seria apenas aumentar desnecessariamente o seu sofrimento. Ele ainda tentava argumentar que não teve culpa na colisão, pois foi arrebatado na traseira, e não conseguia entender que não estava sendo "preso" pelo acidente, e sim pela direção de veículo automotor sob influência do álcool. Por fim, sua fiança foi paga com a reunião de notas de familiares e ele pode responder ao processo em liberdade. Sua ressaca moral certamente será muito maior de que a alcoólica.

O restante da noite foi calmo e aproveitei para tentar terminar de ler um livro que havia sido recomendado por um policial que trabalha comigo, até que veio o sono (rapidamente, devido ao intenso dia vivido).

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