quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sábado - 5.11.11 - O dia em que um Policial Militar perdeu a cabeça.

Uma grande operação havia acabado de acontecer na cidade. Brigada Militar e Polícia Civil, em conjunto, fizeram diversas batidas nos mais diferentes lugares, para acalmar a onda de violência que vivíamos nos últimos dias. A cada plantão, víamos os homicídios aumentarem, o que gerava uma sensação de insegurança e uma cobrança de atitude por parte da imprensa e da população,  consequentemente.

Assim assumi o plantão, com sete presos (por tráfico de drogas e furtos qualificados). Isso fez com que o final de semana inteiro fosse de uma calmaria ímpar. Apenas alguns casos - que não poderiam faltar, do contrário não teria o que contar aqui a você leitor - agitaram a nossa querida DPPA.

Um furto de carne de frango e de bebidas de uma festa de um CTG (Centro de Tradições Gaúchas) fez os organizadores perderem o sono. Logo porém, eles puderam descansar, já que foram encontrados os quitutes e a festa pode ter continuidade. Ninguém foi preso. As comidas estavam em uma casa abandonada próxima do galpão deles.

Em seguida atendemos uma senhora que queria uma coisa muito simples da Polícia. Ela foi até a Delegacia, para denunciar uma vizinha sua que juntava as fezes dos animais das redondezas e as colocava bem na divisa entre as calçadas de ambas. Disse que ela fazia aquilo para perturbar a tranquilidade simplesmente. Procedemos então ao registro da ocorrência para que fosse apurado se realmente existia essa perturbação, em um momento posterior. O que mais nos intrigou, entretanto, foi o simples fato de que a mulher não queria representar criminalmente (processar) a vizinha, queria sim que nós deslocássemos a viatura para lá para recolher as fezes - uma literal limpeza urbana. Simples assim. Vejam bem, a visão que certas pessoas têm da Polícia. Somos tão resolvedores de problemas que até nesses casos mais esdrúxulos nos clamam por uma solução. Óbvio que explicamos que essa função não é nossa, talvez da Prefeitura. Temos que gastar nosso tempo em ouvir esses tipos de histórias quando crimes mais graves estão acontecendo na cidade. Todos têm o direito de serem ouvidos, mas algumas vezes esse limite é extrapolado. Queria que as pessoas só viessem pedir nosso auxílio quando realmente necessitassem, assim teríamos que nos preocupar somente com as transgressões de relevância. Cuidar de casos de somenos importância só quando a Polícia estiver completamente aparelhada, com todo o quadro de funcionários preenchido (aí sim, nessa fase quase utópica para a Segurança Pública, é que poderíamos correr atrás dessas pequenices).

Superado o caso da coleta de cocô (que não fomos recolher, embora o registro tenha sido feito e encaminhado à Delegacia especializada em crimes contra a mulher), recebemos a Brigada Militar apresentando uma ocorrência de uma mulher que tinha apanhado do marido. Ele não foi preso e ela não pode ir à Delegacia porque estava no Pronto Socorro para cuidar dos ferimentos - já que a boca foi muito machucada e teve que esperar uma análise mais específica de um médico bucofacial. Esse caso sim nos dá vontade de trabalhar para chegar ao covarde agressor, ainda que mais tarde.

O único flagrante do fim de semana foi o de um furto de tapete de uma escola pública. O que? Só por causa de um tapete se prendeu alguém? Exatamente! Normalmente nesses casos, não prendemos em flagrante, não fosse a qualidade do nosso "cliente". Com o apelido de um super-herói (Homem Aranha), ele faz exatamente o contrário do que o homônimo das telas de cinema. Furta os mais diversos materiais. Como havia sido preso nos dias 5, 24 e 30 de outubro, além do dia 4 de novembro, quando retornou no meu plantão (5.11.11), não me restou opção senão o recolhimento ao presídio devido à persistência nessa vida criminosa. O tratamos com muito respeito, fomos até a casa de uma tia para buscar cobertores, sabonete e outros materiais de higiene, e ao mesmo tempo fazer a obrigatória comunicação a familiares que a lei exige. Ao chegar no presídio, o Aranha nos disse que nunca foi tão bem tratado. A Polícia está mudando, e acredito para melhor. Mostramos que uma vez detido, temos que ser profissionais. Humilhações ou agressões só serão usadas contra nós, seja no papel, seja moralmente. Prefiro dormir com a consciência tranquila de que o nosso trabalho foi executado com qualidade.

Mas o caso de maior repercussão ainda estava por vir. Um Policial Militar, conhecido por exagerar em suas abordagens (tanto que foi afastado do trabalho nas ruas) foi apresentado por ter baleado um rapaz. Me mostrou suas mãos sujas de sangue, com um corte que teria sido causado pela vítima da bala. Segundo narrou, estava em sua casa tomando uma cerveja quando surgiu o rapaz lhe ameaçando com uma faca e partindo para a agressão. Como só tinha a arma para defender-se, efetuou os disparos, sendo que um deles atingiu o agressor. Cessada discussão, a PM foi chamada, a vítima do tiro encaminhada ao Pronto Socorro, e o autor dos disparos apresentado na Delegacia. Como sei que ele é jurado (de morte) por muitas pessoas, acreditei em sua versão. Não o prendi em flagrante, mas apreendi seu revólver funcional, para evitar que maiores danos fossem causados e também para que uma perícia fosse feita na arma posteriormente. Pedi que ele não retornasse à casa, ao menos naquela noite. E o que ele fez? Isso! Voltou para casa. Lá viu que seu carro havia sido danificado. Transtornado, começou a perguntar quem teria feito aquilo, e saiu à caça, exercendo arbitrariamente as próprias razões (quis fazer justiça com as próprias mãos). Encontrando o suposto causador do dano, entraram em luta corporal e ele acabou por esfaqueá-lo. A facada pegou no braço, e esta outra vítima foi levada ao hospital também. Quando chegaram à Delegacia, apresentaram a ocorrência como sendo um dano ao patrimônio, e não me contaram a versão das lesões corporais. Tentei contato com o hospital para saber a gravidade das lesões. Sem sucesso. Assim, não consegui ter embasamento para fazer sua prisão em flagrante. A mim me restou apenas a paz no espírito de ter tirado a arma dele no momento certo, pois as consequências poderiam ter sido muito mais drásticas. Agora temos apenas que esperar para saber que fim vai levar essa vida desregrada e totalmente fora das atribuições que se espera de um policial. Tomara que sem mais feridos.

Um roubo a um taxista finalizou o meu plantão. Segundo a vítima, foi chamada por um casal e no momento em que chegou ao destino pedido, foi surpreendido pelo passageiro apontando-lhe uma arma e pedindo todo o dinheiro. Após essa abordagem, outro três que já esperavam a chegada do carro também entraram na ação, levando celulares e dinheiro. Cada foi para um lado e restou ao motorista chamar a PM. Conseguiram localizar próximo ao local um dos ladrões e outros menores com ele. Segundo o taxista, todos teriam participado da ação (fez o reconhecimento de todos os apresentados na Delegacia). Mas as palavras da vítima devem ser escutadas atentamente, uma vez algumas delas querem se vingar, serem ressarcidas de alguma maneira, e acabam por acusar injustamente os amigos, parentes e quem mais estiver próximo do verdadeiro autor do roubo. Ouvi vítima e todos os acusados. Para se ter uma ideia, mostramos os celulares à vítima e perguntamos quais eram os seus aparelhos. Ela separou o mais simples e falou que os outros quatro eram dela. Um a um fomos ligando e vendo se realmente lhe pertenciam. O primeiro tinha a inscrição "fulano gostoso" na tela. O tal fulano era um menor traficante da região. Esse não era de sua propriedade. O próximo tinha uma foto de um dos menores detidos com o cenário de uma tarde ensolarada. Esse tampouco era do taxista. E assim foi. Enfim, nenhum dos celulares era dele. Queria apenas ser ressarcido dos preuízos, "roubando" os celulares dos suspeitos. Da mesma forma foi com os detidos. Só um deles era o ladrão, os demais iriam cair de gaiato na história, só por mera vontade de ferrar os outros, de se vingar. A lição foi: sempre escutar todas as partes! Saí com o flagrante ainda em andamento, pois a noite tinha sido bem longa. Não aguentava mais ter que ouvir as tagarelices das partes envolvidas.

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