terça-feira, 1 de novembro de 2011

Segunda, 24.10.11 - O agente funerário que cansou de viver.

Segunda-feira. O dia mais tumultuado em termos de números de ocorrências (principalmente pelas perdas de documentos ocorridas durante o final de semana), mas também aquele que geralmente apresenta uma noite calma e serena. Essa não foi diferente das outras que já enfrentamos. 

Um adolescente desacatando policiais militares na rua. Assim começou a nossa manhã de trabalho. Quatro pessoas estavam juntas durante a abordagem de rotina dos policiais, quando um deles resolveu desobedecer às ordens proferidas e lutar contra a ação. Foi contido e trazido para que fizéssemos o registro do crime de resistência. Após, foi liberado. Se desde adolescente já ocasiona problemas, não quero imaginar o que pode vir a se tornar no futuro - espero que uma pessoa de bem.

Voltei para o gabinete para despachar as ocorrências registradas na sexta, no sábado e no domingo, e quando terminei, ao tentar chegar em casa para almoçar, recebi um telefonema de que havia um corpo estendido no chão. Em tese, a morte não foi violenta, portanto nada de interesse policial em um primeiro momento, mas não deixamos nunca uma suspeita para trás. Trabalhamos com a certeza de que o crime não aconteceu. Vamos a todos os locais em que formos chamados, para atestar a veracidade dos fatos, sempre. E dessa vez, nenhum crime foi cometido. Estavam dois irmãos conversando e tomando chimarrão (depois de terem tomado altas doses de bebidas alcoólicas), quando um deles passou mal e caiu no chão - machucando levemente o rosto com a queda. O sobrevivente tentou reanimar o outro, não obtendo êxito. A ambulância foi chamada, porém já era tarde para qualquer tentativa de reanimação. Por haverem marcas de lesão no rosto, o médico preferiu não atestar a morte, e assim fomos chamados para que posteriormente fosse acionado o DML e uma necrópsia feita no corpo a fim de apurar as reais causas do incidente. A princípio deve ter ocorrido um AVC, dada a baixa idade do morto (32 anos) e um histórico de problemas com a pressão arterial.

Houve também cumprimentos de mandados de prisão expedidos pelo Poder Judiciário. Nesses casos nosso trabalho é simplificado: nos limitamos a registrar a ocorrência, obter cópia do mandado de prisão e encaminhar os presos à casa de detenção.

Ainda tive tempo de ajudar no registro de ocorrências, tendo em vista que nosso saguão estava lotado, devido ao grande movimento ocorrido durante todo o dia. Registrei ao todo dez ocorrências, mas apenas duas de relevância criminal. A primeira delas foi o caso de uma mulher que saia do centro espírita e no momento em que entrou no veículo, logo após fechar a porta, ouviu o anuncio do roubo: "baixa o vidro e entrega a bolsa!". Eram duas pessoas de bicicleta, uma delas portava arma de fogo e a outra apenas bloqueava a passagem do carro. O outro caso foi também crime da mesma natureza. O rapaz, após ter saído da empresa em que trabalha, enquanto aguardava o ônibus que o levaria a casa, foi surpreendido também por pessoas de bicicleta (mas agora eram três - incluindo uma menina). Um deles lhe apontou a arma e o outro lhe retirou a carteira do bolso, ficando a menina apenas na observação da ação. Em ambas as ocasiões, os bandidos foram bem sucedidos.

O crime de roubo é um crime gravíssimo, pois a linha que separa o simples ladrão daquele que mata pelo patrimônio alheio é muito tênue, apenas um simpes toque no gatilho (geralmente o dedo já fica pronto para disparar a arma, tornando os casos de morte cada vez mais corriqueiros). Até mesmo por um susto o assaltante acaba matando. Eles (os bandidos) na maior parte das vezes não têm nada a perder, e nós temos a vida, por isso, uma vez abordados, não devemos resistir jamais! O combate ao crime para quem não trabalha na área é meramente preventivo, se não foi possível evitar que a ação criminosa ocorresse, muito menores são as chances de desarmar o outro. Nessa hora o ideal é agir conforme as ordens recebidas, e se esquecer de todos os filmes hollywoodianos que já assistimos.

Por fim, um lamentável caso em que tivemos que dar assistência. Um ex-funcionário de agência funerária acabou se matando. Suicidou-se enforcado com um fio elétrico. Ou seja, aquele que tanto conviveu com a morte, que tanto ajudou pessoas nesse momento difícil da vida (a morte não deixa de ser uma das etapas da arte de viver), cansou de batalhar nesse mundo. Que descanse e obtenha a paz que aqui não soube encontrar.

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