sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sexta, 05.08.11 - Menores extorquindo família de empresário desaparecido

Mais um plantãozinho começou como todos os outros, com despacho de ocorrências que ficaram pendentes dos plantões anteriores ou que foram registradas no dia antecedente. Não havia muita coisa, por isso, em no máximo 40 minutos, consegui dar conta da papelada toda dando prosseguimento aos trâmites administrativos e investigativos. Executada essa tarefa, tive outra reunião com uma publicitária para definir novos projetos, já que o nosso anterior foi recusado pela pessoa que nos ajudaria.

Segundo me contou, alguém da empresa não quis ter o nome ligado ao da instituição por achar que seria negativo à sua imagem. Achei um absurdo! Por mais que tenha havido qualquer história de um possível abuso por parte de policiais ou por notícias na mídia sobre corrupção, esses maus policiais foram, na medida do possível, afastados de suas funções. Não há como generalizar achando que toda a instituição é daquela forma. Agora que estou dentro da estrutura, posso afirmar categoricamente que a minoria apresenta algum problema ético (e estes problemas estão sendo resolvidos). Eu não sou corrupto nem violento, os policiais que comigo trabalham não são corruptos ou mesmo violentos. Só aí são ao menos 40 pessoas honestas, que ganham um salário muito pequeno para a responsabilidade que carregam, mas que continuam nessa luta por um ideal, porque acreditam que podem mudar o mundo (ainda que um pouquinho dele) para melhor. Enfim, perdido o contato com referida empresa, traçamos novas metas a serem alcançadas: não é no primeiro tombo que vamos permanecer caídos. Cair é fácil, agora levantar-se com dignidade e com mais força do que anteriormente é o verdadeiro desafio. E certamente o venceremos.

Acreditando que conseguiremos levar adiante nossos projetos, já chamei uma empresa de segurança privada para instalar câmeras de vigilância com captação de áudio e gravação de ao menos uma semana de sons imagens e cercas de arame farpado em nosso perímetro. Justamente por sermos a Polícia temos que mostrar que a segurança é o nosso forte, não podemos deixar o tempo passar e ficar desguarnecido acreditando que os tipos de crimes são os mesmo de muitos anos atrás. O mundo evolui e assim também deve ser com os órgãos de segurança pública.

Terminado o contato com o empresário, me desloquei a outra Delegacia para comprar materiais para uso em serviço: coldre para uso durante o verão, que se ajusta na barriga e fica praticamente imperceptível, podendo ser usado com bermuda ou calça de abrigo sem problemas – a pistola tem um peso considerável e ajustá-la para um melhor uso sem que ela esteja visível é um bom desafio –, jaqueta impermeável dupla face – para os momentos de operações ou simples rotina diária – e kit para limpeza da arma – ao menos a cada 90 dias devemos limpar o nosso instrumento de trabalho, para que na hora em que precisarmos dele, tenha um pronto emprego e de modo eficaz (ninguém quer apontar a arma, precisar atirar e no meio do procedimento ela vir a falhar).

Feitas as compras, apesar de ter ficado com vontade de levar a loja inteira, me contive e fui à Central de TCs. O caso mais interessante que tive que decidir foi sobre a devolução de um colete a prova de balas e de uma máquina de choque. Como o peticionante é guarda em uma empresa privada, entendi por bem em devolver o colete, sobretudo por não haver óbice legal e também por ser imprescindível à sua segurança pessoal, mas com relação à arma de choque, por ele ter usado ela contra uma pessoa de bem, resolvi permanecer com ela apreendida, já que foi o objeto do crime de lesão corporal pelo qual responde o guarda.

Também discuti brevemente com uma mãe que foi junto com o filho pedir a liberação de um veículo apreendido por suspeita de tráfico de drogas. Ela veio toda indignada questionar porque o filho responderia a um processo criminal se só estava na posse de pouca quantidade de drogas. Perguntou-me se era crime ser usuário. A essa altura do campeonato, uma pessoa aparentemente esclarecida fazer uma pergunta dessas só pode ser provocação. É por isso que algumas pessoas não se endireitam nunca, em vez de a mãe brigar com o filho pelo uso das drogas, em vez de demonstrar preocupação, não, resolveu colocar a culpa na Polícia que o deteve com a maconha. Prevejo um futuro brilhante para o pobre mimado. Mais uma vez ressalto, as drogas só levam à derrotas!

Além desses casos, levei vinho para presentear a equipe que alcançou uma meta que havíamos delimitado. Como não posso incentivar a produção através de dinheiro, mas apenas com descansos (ou no máximo com horas extras no caso de terem trabalhado mais horas do que as previstas semanalmente), resolvi fazer uma brincadeira entregando vinhos para todos da equipe. Quero que além do trabalho, tenham os meus policiais um momento de descontração com a família, com as esposas ou maridos (quero algo que saia da rotina deles, algo que ninguém tenha ousado fazer antes). Isso surtiu um efeito muito bacana, porque conseguimos aumentar as nossas produções e ainda por cima nos tornamos mais amigos. E ao menos no ego, no prazer de bem executar o trabalho que foi proposto, eles ganham muito bem. Foi uma inovação que achei bem salutar e pretendo manter (só tenho que mudar o prêmio porque a equipe aumentou e se eu for pagar vinho para todos agora vou à falência).

Retornei à minha Delegacia e aproveitei o quase fim de expediente de sexta-feira em todas as empresas e telefonei para agendar reuniões com outros representantes comerciais, para dar prosseguimento ao meu projeto de levantar a Delegacia com o apoio da comunidade.

De trabalho tive que decidir ao mesmo tempo (isso mesmo, a manhã e tarde não tiveram absolutamente nada de grave, mas no começo da noite foram 3 casos simultâneos). O primeiro sobre uma apreensão de 2 adolescentes. Dizemos apreensão porque legalmente não se pode prender um menor de 18 anos por ser ele um inimputável, logo fala-se em apreensão. Eles estavam extorquindo a família de um empresário local exigindo que fosse paga uma determinada quantia em dinheiro em troca de informações de onde estaria o senhor desaparecido há pelo menos uma semana. A Polícia agiu rápido e interveio nas negociações, momento em que obtiveram êxito em deter os acusados, que foram encaminhados ao “presídio”. Não sabemos se estavam blefando ou não (o que mais nos intrigou foi que com eles estava o chip do celular do sumido). As investigações continuarão.

Também resolvi autuar um traficante de drogas que foi pego com algumas pedras de crack (segundo caso). Segundo informação levantada pela Polícia Civil, o local onde estava é conhecido ponto de venda de drogas, tanto é assim que a irmã desse traficante de hoje foi presa no mesmo local, executando a mesma tarefa, há uma semana. Com a prisão dessa, o irmão assumiu o comando da operação (que durou pouco tempo, haja vista ter sido ele preso hoje). Em tese houve a continuação do comércio de entorpecentes que a irmã fazia, fato confirmado inclusive por familiares. Foi mais uma vitória contra esse crime infinito.

Outro caso foi um roubo a pedestre com o uso de uma moto de apoio (terceiro caso). Os ladrões chegam de moto e aproximam-se da vitima para subtrair algum objeto. Em tese queriam praticar o crime de furto, pois não usariam violência ou grave ameaça, mas como a vitima resistiu à ação e houve posterior emprego de violência para a obtenção do bem, esse ato denomina-se roubo impróprio. Apenas o carona que estava tentando levar a bolsa foi preso, mas pelo menos a dupla foi desconstituída momentaneamente. Agora a Delegacia Especializada em Roubos vai investigar na busca do comparsa!

No fim da noite (ou começo para aqueles que saem para as festas), houve um acidente envolvendo 2 veículos que capotaram tamanha a velocidade que imprimiam. Resultado: seis feridos, por sorte nenhum com gravidade. Simples registro da ocorrência e carros guinchados para o depósito, pois não possuíam condições de trafegabilidade.

Por fim, mais um caso envolvendo a famosa lei Maria da Penha. O filho com problemas psicológicos tentou agredir a mãe com um bastão. Conversamos com ele para saber suas intenções, mas ele exalava um cheiro de álcool que era difícil de conversar próximo. Após breves duras palavras, logo conseguimos ver o arrependimento em seus olhos (começou a chorar). Esse criminoso não tem a sua personalidade voltada à prática de crimes, é um criminoso eventual, que já sofreu muito na vida (apresentava um rosto sofrido, judiado, cansado) e que um dia perdeu a cabeça por um motivo banal. Felizmente ninguém ficou ferido do fato e ele se dirigiu à casa das próprias filhas, deixando a mãe em paz (pelo menos por hoje). Lamentavelmente são apresentadas pessoas que deveriam ter um melhor acompanhamento estatal, sobretudo psicológico, mas que por falta de estrutura são deixadas ao léu, abandonadas à própria sorte (e sorte eles têm pouca, porque fatalmente acabam voltando aqui). Nunca desistam de seus familiares, apoiem, incentivem, acompanhem.

Assim espero ter terminado o plantão. Mais uma vez bem agitado, porém bem sucedido. Vou postar antes do fim porque a canseira bateu. Caso algo aconteça, publico na próxima edição.

2 comentários:

  1. Beto, to adorando a sua atuacao como delegado, os modos como esta tentando incentivar a equipe, alem da aula de Direito/Processo Penal no blog! Parabens! Pessoas como vc me fazem acreditar de novo na Policia!

    Beijos

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  2. Valeu Pri! E pessoas como você me fazem acreditar que esse blog está fazendo alguma diferença. Se ao menos uma pessoa mudar o pensamento sobre os órgãos de segurança pública um grande passo já estará sendo dado. Obrigado pelo apoio!
    Beijos

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