segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sábado, 13.08.11


Mais um dia de trabalho estava por começar. Hoje cheguei feliz na Delegacia devido aos resultados obtidos no dia anterior. Vou contar melhor o que aconteceu.

Marquei reunião com diversos estabelecimentos comerciais da cidade para poder tentar melhorar o nosso atendimento ao público, bem como aos policiais que aqui trabalham ou que utilizam desta Delegacia como apoio. Conversei com um representante de máquinas de café para colocar uma no saguão de espera, pois assim as pessoas que aguardam o atendimento podem se sentir um pouco mais acolhidas (mesmo que tenham que pagar pelo que forem consumir). Aproveitando o ensejo, e que estava com o telefone na mão, liguei para outros dois lugares, um deles para viabilizar o asfaltamento do nosso estacionamento onde ficam guardadas as viaturas, permitindo assim um melhor cuidado com o patrimônio público que se encontra em nossas mãos, uma saída mais rápida do pátio para atendimento de alguma emergência e para o conforto quando da manobra dos veículos estacionados.

Por fim, contatei um banco estatal para colocar um caixa rápido aqui dentro. Isso será de interesse do banco, pois terá o seu totem em um local seguro, aberto 24 horas, além da divulgação de seu nome (marketing) para as pessoas que aqui entrarem para seus registros de ocorrências. E para nós também será positivo porque, como recebemos através desse banco, evitaremos deslocamentos para realizar simples saques ou pagamentos e as partes terão de onde sacar o dinheiro para eventuais pagamentos de fianças (em horários não bancários, o acesso ao dinheiro para essa finalidade torna-se difícil, assim, respeitaremos ainda mais o direito do acusado de pagar a fiança para responder ao processo em liberdade).

Se conseguir que esses três contatos dêem certo, estarei realizado com a minha administração, e aí será hora de partir para planos mais ambiciosos. Quero tornar essa Delegacia em um lugar modelo, mais do que ele já é (no ano passado recebemos um prêmio de excelência como delegacia padrão), e não podemos deixar cair o rendimento.

Com relação ao dia de trabalho: hoje pela manhã recebi ligação do Delegado que havia saído do plantão me passando duas pendências: levar os presos da madrugada para o presídio e fazer uma ocorrência de falsa identidade. Presos encaminhados, parti para a próxima missão. Uma mulher havia sido presa ontem furtando uma farmácia, e ao chegar na DPPA, passou o nome de sua irmã para que pudéssemos identificá-la. Foi verificada a foto no sistema, mas devido às semelhanças entre ambas, acabaram fazendo o procedimento com o nome da pessoa errada. O erro só foi constatado posteriormente, após tudo já ter sido registrado e encaminhado aos órgãos estatais respectivos. Há quem defenda que mentir sobre a identidade para não ser preso é apenas o exercício do direito de defesa, mas eu entendo o contrário, se quiser mentir sobre os fatos ou ficar em silêncio, tudo bem, mas enganar quanto à identidade é crime, e como tal, deve ser punido. Assim, além do registro do fato, encaminhei pedido de prisão preventiva dessa mulher para identificá-la de uma vez por todas (precisamos identificar a pessoa sem que reste qualquer dúvida a esse respeito, imaginem se ela estiver mentindo de novo).

Ainda terminando a impressão das páginas do pedido de prisão a serem encaminhadas ao Poder Judiciário, fui avisado de que um corpo havia sido encontrado. O pessoal já até brinca que meu pé é frio demais, porque sempre encontramos um cadáver no meu plantão, mas eu gosto de pensar o contrário, sou privilegiado porque penso que resolvo problemas ao invés de criá-los ou simplesmente esperar que outros resolvam. No caso, suspeitava-se ser um militar desaparecido havia uma semana. Estava boiando perto da margem da lagoa da cidade. O corpo não saia do local apesar da correnteza e do vento que havia no momento. Tudo levava a crer que ele estaria amarrado ou que teria algum peso no corpo para estar imóvel. Com o apoio dos bombeiros (também sempre dispostos a ajudar), que entraram na água com o uso de roupas de neoprene devido ao frio que fazia, retiramos o corpo da água. Nada havia preso em seu corpo, talvez o próprio peso o tenha segurado, com os pés arrastando na areia. Já na areia, encontramos dentro de sua cueca a carteira que o identificaria. Era mesmo o militar. Não havia nenhum sinal de violência no corpo, só estava com o rosto inchado, acredito devido à submersão na água por um longo período. Chamamos o IML para retirada do corpo e melhor análise da causa da morte, pois não podemos descartar nenhuma possibilidade. Existem duas versões, uma de que ele teria brigado e fugido para o meio da lagoa; a outra é que teria, após influência de pessoas que estavam com ele (talvez um “duvido que você saia nadando agora”), se atirado na água, se enroscado nas linhas de pesca que existem e morrido afogado. 

Tentarei saber o resultado do caso, embora seja outra delegacia que irá investigá-lo. Ah, lembrei do caso da mulher que havia sido encontrada no mato sem um braço e sem o rosto. Segundo informações, tanto o corte do membro, quanto o escalpo, foram feitos por ação humana. (Como pode alguém que se autodenomina humano ter a coragem para realizar tal barbaridade? A Delegacia responsável continua com as investigações).

Levado o corpo (dei uma breve entrevista à imprensa local) e retornamos à Delegacia. Despachei as ocorrências que ficaram pendentes do plantão anterior.

Mais tarde a BM trouxe para nós um caso de abigeato combinado com agressão familiar (abigeato, aqui no Rio Grande do Sul é o crime que envolve animais, geralmente o furto de gado para abate e posterior venda da carne). Segundo contaram, mataram a vaca – que estava prenha – com um choque utilizando um fio desencapado que se encontrava no local, cortaram o animal em pedaços e dividiram entre os três que realizaram o “serviço”. A mulher de um deles não compactuou com o fato e reclamou. Resultado: um soco no olho que a deixou sem enxergar tamanho o inchaço. Foram acionados os policiais militares e trazidas as partes para que fosse analisado o caso. Quanto ao abigeato, apesar das evidências, não foi possível ser feito o flagrante, já que o crime ocorreu na noite de ontem, mas quanto à agressão sim o encaminhamos ao presídio.

A mulher já tinha outras ocorrências contra a mesma pessoa, mas ela mesma permitia o convívio. Viver em um ambiente agressivo não é vida para ninguém, podem dizer que não existe opção, que algumas pessoas não têm escolha, mas acredito que existe sim um caminho! Basta correr atrás dele. Muitas vezes as pessoas se submetem a tratamentos que se estivessem analisando de fora achariam um absurdo, seja porque a pessoa traz o dinheiro para casa, seja porque acham que é o amor da vida, ou simplesmente por comodidade. A vida é uma só, e temos que vivê-la intensamente, não deixar que ninguém nos coloque para baixo nunca! Cada um é senhor do seu destino. Gostaria que algumas pessoas tivessem mais atitude em certas ocasiões.

Após isso, consegui ler alguns artigos doutrinários que estava postergando faz tempo, tentando me atualizar nos mais diversos posicionamentos a respeito das mais variadas leis que possuímos em nosso ordenamento jurídico. Esse sim é um trabalho demorado, mas que sinto um grande prazer em fazer, sobretudo por exigir não apenas a capacidade física que a profissão pede, mas principalmente a parte intelectual. Somos operadores do direito, exercendo função essencial à Justiça, nossa carreira é jurídica, por isso a minha preocupação em sempre saber o que se passa no mundo legal.

Ainda na minha sala lendo os materiais, fui avisado de duas ocorrências de embriaguez ao volante. Em uma delas nada de grave ocorreu, somente que o bêbado chocou-se contra a viatura dos agentes de trânsito. Mas no caso seguinte, houve uma colisão envolvendo dois carros e uma moto. O motoqueiro levou a pior, pois segundo notícias recebidas, está no hospital correndo o risco de ter amputada a perna e o braço. Bebida e direção é um assunto muito sério! A gente só pensa nisso quando algum parente ou amigo próximo sofre com essa prática. Infelizmente a nossa lei dificultou o trabalho da polícia, já que exige que seja comprovado o teor alcoólico no sangue do motorista. Ao mesmo tempo, existe um princípio do direito em que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Assim, ficamos de mãos atadas, pois para fazer o flagrante, precisamos da prova da materialidade, ou seja, da quantidade de álcool no sangue no condutor, mas não podemos obrigá-lo a fornecer materiais que comprovem tal situação. A sociedade e nós mesmos nos cobramos uma ação mais enérgica, porém, infelizmente, esbarramos na lei que juramos defender.

Algo de diferente deveria ser feito a respeito. A minha proposta não é nem usar o direito penal para coibir ações desse tipo; acho que poderia haver uma sanção administrativa que previsse o confisco do veículo em casos de comprovada embriaguez a ser atestada após exames clínicos, por um médico conveniado do Estado. Exames clínicos (que não dependam de ação positiva do acusado). Algumas pessoas não pensam na liberdade que podem perder, e muitas acreditam na impunidade com relação às prisões, mas quando mexemos no bolso, tudo muda de figura. Acredito que não teríamos essa infinidade de motoristas embriagados se toda vez que fossem pegos nessa situação perdessem o carro que estivessem dirigindo. Não precisamos de prisão, e sim de conscientização.

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